Numa época onde a única certeza é a incerteza, colocámos duas questões aos principais construtores nacionais de barcos a motor:
– Covid-19 um problema ou uma oportunidade para a vossa marca?
– Quando, na opinião pública, se fala de consumir produto português quais são os argumentos da vossa marca para convencer o potencial comprador?
Nem todos os construtores colaboraram mas, as respostas que obtivemos refletem bem o atual panorama do setor e permite que o pensamos em conjunto.
Hydrosport
Para o responsável da marca de barcos semi-rígidos Hydrosport Eddy Joahansen e, em relação à pandemia refere, “Desde que esta confusão se iniciou, sentimos uma ligeira baixa na procura. Na concretização de vendas tivemos uma quebra acentuada, visto que grande parte dos interessados acabam por dizer “vou esperar até isto acalmar”. Temos também encomendas de pessoas que agora dizem que se soubessem disto quando encomendaram, teriam adiado a compra”.
Quanto ao consumir barcos construídos em Portugal, “... os barcos que vêm do estrangeiro, já vêm acabados, os barcos fabricados em Portugal podem ter acabamentos ao gosto do cliente, podem-se adaptar ao uso específico do cliente. Para além disso, os barcos nacionais são em geral de muito boa qualidade, e ao comprar em Portugal estamos a pôr comida na mesa de muitas famílias Portuguesas, a ajudar a criar riqueza em Portugal, que se espalha para toda a economia portuguesa. Temos que nos lembrar, que não são só as pessoas que trabalham na produção no estaleiro, são as empresas à volta: o homem que faz os inox, é o estofador e todos os pequenos negócios que se desenvolvem à volta do fabricante. Ao comprar estrangeiro, estamos a meter dinheiro ao bolso de empresas no estrangeiro, o que não ajuda a criar riqueza em Portugal…”
Levantboats
Francisco Caldeira, responsável pela conceção dos barcos Levant, afirma “…o Covid-19 é um problema enorme para a nossa empresa, pois cerca de 80% dos nossos clientes são da área da marítimo-turistica, quer portugueses, quer espanhóis e neste momento estão todos parados. Para adicionar ao facto de estarem parados, tivemos de renegociar as condições de pagamento, sendo que alguns, interromperam mesmo os pagamentos contratuais em curso. A Navproject continua a trabalhar à porta fechada e tentará aguentar-se a todo o custo, esperando ultrapassar da melhor forma este período tão difícil.
A grande vantagem do cliente comprar um produto português é que compra um produto adaptado às nossas condições de mar. No nosso caso, a Navproject / Levantboats adaptamos o produto de uma forma extremamente personalizada às necessidades dos nossos clientes, quer sejam clientes profissionais, quer sejam clientes de recreio...”
Obe & Carmen
Dora, está ao leme de uma empresa com muita história na conceção e fabrico de barcos a motor em fibra, para ela “…nesta fase, as restrições a que estamos sujeitos enquanto estaleiro são um verdadeiro problema. Tudo mudou repentinamente!
Os constrangimentos de ordem logística bem como as imposições de proteção a que estamos sujeitos têm dificultado bastante todo o processo produtivo.
Por outro lado, a proibição de pescar e de navegar aliada ao encerramento das Capitanias está a asfixiar o mercado Ibérico. A somar a estes fatores ainda temos que ter em atenção que esta pandemia desenrola-se em simultâneo com a época alta do nosso mercado. Assim sendo, só mesmo o levantamento das restrições supra citadas e a chegada de um Verão forte poderá salvar a época!
Numa visão de médio prazo, poderá vir a impulsionar o mercado da pesca profissional e de recreio.
Esta pandemia tem vindo a expor as fragilidades de todos nós. Se em termos macro-económicos as nações do velho continente fazem um esforço para não deixarem cair empresas nas mãos da China, a nível micro-económico, os pequenos negócios e as famílias sentem agora a dependência a que estão sujeitos. Este sentimento tem vindo a fazer crescer uma vontade nacionalista de comprar o que é nosso. Efetivamente trata-se de uma estratégia que pode salvar postos de trabalho de muitos portugueses. Este é sem dúvida o maior argumento para se consumir o que é nacional!
Além disso, e especificamente nos produtos que fabricamos, quer sejam OBE ou SIRIUS, a relação qualidade/preço e a proximidade que o nosso estaleiro desenvolveu ao longo dos anos com o cliente final, continua a fazer a diferença. A personalização das embarcações e o desenvolvimento de soluções muito especificas para cada cliente constituem um ponto fortíssimo do nosso fabrico…”
ROM
A marca ROM é uma das mais recentes no mercado e está vocacionada para a conceção e produção de barcos a motor destinados a um segmento de mercado ligado ao luxo.
Segundo os seus responsáveis, “…Por norma, perante uma dificuldade, tentamos sempre ver uma oportunidade e no caso desta pandemia vemos mais do que uma.
Na nossa opinião, na situação atual de incerteza e até de medo, é natural que as pessoas se coíbam de frequentar locais com muitos aglomerados de pessoas que lhes são estranhas e prefiram locais mais recatados e protegidos, procurando conviver socialmente com amigos e família, em quem inconscientemente, confiam mais. Nesse sentido, prevemos que nas férias de verão e fins-de-semana, as pessoas que têm barco vão utilizá-lo mais vezes por uma questão de distanciamento social, fazendo mais férias cá dentro ao invés de viajarem para o estrangeiro. Para isso, irão necessitar de trabalhos de manutenção e reparação nas suas embarcações, para possibilitar uma utilização mais intensiva e em segurança. Por outro lado, os que já ponderavam comprar um barco, poderão antecipar a decisão de o fazer.
Outra oportunidade que vemos, está relacionada com o desemprego que esta crise vai criar, infelizmente. Desse desemprego vão surgir oportunidades de fazermos bons recrutamentos de colaboradores com imenso potencial e talento, certamente, nomeadamente nas áreas de carpintaria, serralharia, compósitos, têxtil, mecânica, etc.
No nosso caso em concreto, inicialmente tentámos continuar a trabalhar – a atividade no estaleiro habitualmente não tem contacto direto com o público, pelo que não estaríamos a colocar em risco os nossos colaboradores nem potenciais clientes. Por outro lado, como trabalhamos com equipamento de proteção individual, devido aos materiais que manuseamos, um eventual contágio entre colaboradores seria pouco provável. Infelizmente, e porque dependemos de terceiros para nos abastecermos de matérias primas, não conseguimos manter o mesmo ritmo de trabalho. O facto de alguns dos nossos fornecedores serem de alguns dos países mais afetados pelo COVID-19 (Espanha e Itália, principalmente) prejudicou-nos bastante nesse sentido. E foi neste ponto que vimos também uma oportunidade imediata. Optámos por apostar na qualificação dos nossos colaboradores, e dar-lhes a oportunidade de aprofundar os seus conhecimentos e aprendizagens, através de cursos e formações online…”
Em relação ao consumir produto português, “…Os nossos argumentos de venda são transversais a potenciais clientes nacionais e internacionais e passam pela qualidade e robustez da construção, pelo nível de acabamentos, pela utilização apenas de matérias primas da melhor qualidade bem como equipamentos eletrónicos, mecânicos e de segurança topo de gama, pelo caráter exclusivo da personalização de cada embarcação ao gosto do cliente e pela relação direta entre a marca e o cliente final, sem intermediários, garantindo por um lado preços mais justos e, por outro, a assistência técnica dada diretamente pela marca ROM e não por terceiros. Este último aspeto poderá ser ainda mais importante para os clientes nacionais, pela redução dos tempos de resposta e por saber exatamente a quem se dirigirem em caso de algum eventual problema.
Adicionalmente, face ao atual panorama económico, é da máxima importância envolver na cadeia de valor o maior número de empresas portuguesas e a ROM e a Neptune têm desde a sua génese a premissa de andar de mãos dadas com micro e pequenas empresas nacionais para valorizar ainda mais o produto português. Apenas compramos no estrangeiro os equipamentos que não se fabricam em Portugal ou quando não temos capacidade de resposta por parte dos importadores ou distribuidores nacionais. Para o cliente português este deverá ser um argumento a ter em consideração na decisão de compra de um barco, também ele de fabrico português”.
San Remo
António Batista, responsável pela marca de barcos a motor San Remo, tem uma visão algo pessimista “…em relação ao Covid-19 , ele será um problema gravíssimo no sector náutico , quer a nível nacional ou internacional , porque :
– Estamos já na temporada alta que decorre entre a Páscoa e o fim do verão e que constitui a época mais forte da náutica e por isso mesmo se a Covid-19 ocorresse no inverno não seriamos tão duramente penalizados!
– O Turismo ( atividade de Lazer tal como a Náutica ) será dos sectores mais afetados …., o que nos prejudicará e bastante!
– A evolução do Covid-19 está e estará desfasada nos diferentes países e continentes, o que implica dificuldades acrescidas para exportar ( senão mesmo impossibilidade ….)
– O binómio Oferta – Procura é o principal fator de sustentabilidade de uma economia saudável , mas como o consumo (dos produtos náuticos que convêm lembrar não é um bem de consumo propriamente dito de essencial) desapareceu e num futuro próximo irá ser bastante diminuto …., a procura irá ser muito afetada , enquanto a oferta permanecerá igual ou aumentará , o que vai levar ao excedente de stocks, que terá as consequências nefastas que todos nós bem conhecemos (tal como o que se passa atualmente no petróleo).
Além disso o fator da “ imprevisibilidade temporal “ do Covid-19 é , quanto tempo vai durar ? Ou quanto tempo mais será necessário para que seja possível conviver em sociedade de uma forma aceitável e sem os seus consequentes efeitos altamente prejudiciais, vai influenciar negativamente a decisão do consumidor, ou seja , o cliente vai adiar a sua decisão de compra.
No mercado náutico tão especifico como o de Portugal , que sobrevive à custa de constantes promoções, resta saber como se irá comportar face ao Covid-19 (com fatores de influência tão condicionantes como, o Medo, a Ansiedade e a Incerteza ….)
No meu ponto de vista haverá escassez da procura e excesso de oferta, o que terá como consequência uma queda abrupta dos preços, senão mesmo dumping dos preços (venda abaixo do preço de custo).
– Claro que haverá sempre atividade e vendas, mas a que preço de mercado ?
– Que fatura vamos todos ter de pagar?
– Conseguiremos rentabilizar a nossa estrutura? Ao menos para fazer face aos nossos custos ?
Estas são perguntas de muito difícil resposta , dependendo das condicionantes estruturais e económicas de cada um de nós
A crise em si mesmo, constitui sempre dificuldades para uns e oportunidades para outros.
Esta é uma perspetiva (minha) muito pessimista, mas enquanto há esperança…esperemos que haja bons ventos, para podermos navegar e ultrapassar esta tempestade.
No que se refere aos argumentos de compra do produto português, eles distinguem-se por :
– A Qualidade
– A Fiabilidade
– A Segurança
O serviço prestado (em toda a sua envolvente)
Searib’s
Gustavo Mateus, responsável pela marca de embarcações semi-rígidas Searib’s refere, “…A nossa marca não deixou de sofrer as consequências do efeito Covid-19. Não no sentido de ter trabalhadores infetados, mas sim por nos ter obrigado a parar a produção para podermos garantir a proteção de todos.
Encerrámos a empresa a 19 de Março com uma carteira de encomendas que garantia a produção até finais de Agosto de 2020. Retomámos a produção a 20 de Abril mantendo a mesma carteira de encomendas e com perspetivas de a aumentarmos.
O maior problema reside no aumento do prazo de entrega das matérias primas e acessórios, motivado pelas restrições ainda em vigor. O que demorava três a quatro dias a chegar está neste momento a demorar duas a três semanas.
O mercado para o qual trabalhamos continua a dar sinais de continuidade o que nos coloca numa posição confortável face a tudo o que se tem passado no mundo…”
Quanto aos argumentos para consumir produto português, “…A marca Searibs´s está no mercado desde 2004 e conta com mais de 1500 embarcações vendidas.
O mercado português pode ter absorvido 20% da nossa produção e a restante centra-se na exportação.
Gostaríamos de poder aumentar o numero de unidades no mercado Português, principalmente no recreio. Para tal estamos a desenvolver 4 modelos novos entre os 5,5m e os 7,5m para uma utilização mais familiar e contamos fazer a apresentação dos mesmos ao longo dos próximos dois anos.
A marca Searib´s creio ter mais que provas dadas de que os seus cascos navegam muito bem e que a sua construção é uma referência de solidez e segurança.
Dificilmente conseguiremos convencer o cliente português por preço, até porque as nossas embarcações são das mais caras no mercado, mas seguramente se o potencial comprador pensar na qualidade de construção, conseguimos ser superiores a muitas marcas estrangeiras.
A meu ver o melhor argumento que qualquer marca pode ter para convencer um potencial comprador é a sua solidez, a permanência no mercado e a proximidade para com o cliente final. Os mais de 16 anos da marca Searib´s associados a uma experiência herdada com mais de 30 anos e um convite ao potencial cliente para nos visitar e conhecer o processo de fabrico, creio serem os argumentos mais que necessários para o sucesso”.
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