Para quando acordarmos verdadeiramente para náutica de recreio em Portugal. Não faltam estudos, estratégias seminários, incentivos e programas, cheios de boas intenções no sentido de impulsionar, de uma vez por todas, o recreio náutico. Mas a verdade é que a náutica de recreio em Portugal continua a ser um verdadeiro pesadelo, à mercê de uma enorme teia burocrática e custos incomportáveis para a grande maioria dos cidadãos,
Continua-se a tratar a náutica de recreio como uma atividade elitista e não tem havido uma aposta verdadeiramente séria no que se refere à prática de uma náutica de recreio acessível a todos e para todos.
O leque de embarcações é imenso e para todos os gostos e carteiras. Há-as de facto apenas acessíveis a alguns segmentos da sociedade, mas há hoje em dia um leque enorme de embarcações cujo custo é perfeitamente compatível com grande parte da população. E se falarmos no mercado de embarcações em segunda mão então a coisa ainda se torna mais fácil. Não é difícil encontrarmos no mercado de usados, embarcações que rondam os 4 m – 6 m em muito bom estado e apelativas, a preços inferiores ao custo de uma mota ou até de uma bicicleta de gama alta. O que nos leva a concluir que atualmente o custo das embarcações de recreio não é de todo a causa da falta de impulso do sector, mas sim a desmotivação associada à burocracia conjuntamente com os custos que injustificadamente estão associados à utilização das poucas infraestruturas de apoio, para não falar do estado miserável em que se encontram muitas das infraestruturas públicas que existem, que poderiam ser alavancadoras para uma náutica acessível a todos.
A verdade é que as políticas públicas continuam a ser feitas por quem pouco percebe de náutica de recreio ou então muito direcionadas para alguns segmentos da sociedade, deixando de fora a maioria da população que poderia ser o motor de desenvolvimento deste sector. Se compararmos isto com o automóvel, é como se em Portugal apenas se apostasse em infraestruturas viárias e estacionamentos exclusivamente direcionados às altas gamas do segmento automóvel, deixando de fora a opção de circulação e acessibilidade aos automóveis de pequenas e médias gamas, que na realidade são os que servem a maioria da população portuguesa de recursos mais modestos.
Tem faltado aos decisores públicos visão e conhecimento verdadeiro sobre o que realmente faz falta a prática da náutica de recreio.
Todos os anos gastam-se milhões de euros em infraestruturas de circulação terrestres (seja arruamentos, parqueamentos, passeios, pistas cicláveis, etc) e muitíssimo pouco em infraestruturas que fomentem a acessibilidade e circulação no meios náuticos (sejam fluviais ou marítimos), que seriam fundamentais para uma atividade que se quer prática e de fácil acesso.
As poucas infraestruturas náuticas que realmente têm condições estão na sua maior parte concessionadas a particulares, que as gerem de forma autónoma, burocratizada e naturalmente economicista. Ou seja, muito mais direcionadas para os segmentos de luxo, vedando-as ou praticando preços incomportáveis para a maioria dos nautas.
Por outro lado, as escassas infraestruturas de acesso público que existem nos meios fluviais e marítimos que poderiam ser utilizados por todo um segmento de nautas que procura uma prática mais ligeira e económica, estão, regra geral, em estado deplorável, sem manutenção, sem condições de segurança ou mesmo impraticáveis.
Se estamos perante um atividade associada ao recreio e ao lazer, esta tem forçosamente de ser prática e de fácil acesso. Não se pode querer que uma atividade associada ao lazer seja apelativa, se a ela estiverem associadas horas de burocracia, logística e contratempos. Se para um simples passeio de uma hora se vão gastar duas ou três ou mais horas de preparativos (que vão desde as viagens, aos controlos, esperas para aceder e retirar a embarcação da água em rampas ou guinchos sobrelotados, procura de estacionamento para deixar o carro e atrelado, para não falar dos custos incomportáveis se pretender utilizar uma infraestrutura de gestão privada). O prazer retirado compensa muito pouco o esforço, aumentando os índices de desmotivação sobre a náutica de recreio.
Na realidade o impulso que a náutica precisa em Portugal incide essencialmente sobre duas vertentes que implicariam algumas medidas, algumas delas sem custos expressivos, mas de significativa importância para a pratica da modalidade.
Desburocratizar, e disponibilizar meios de acesso aos meios náuticos, suficientemente dispersos no território e de fácil acessibilidade, quer em termos físicos quer em termos económicos.
Em termos burocráticos a recente publicação do regime jurídico da náutica de recreio, trouxe alguns avanços no que se refere a este aspeto, como por exemplo o aumento da validade das cartas e dos períodos de inspeção obrigatória das embarcações, mas perdeu-se a oportunidade de se ir muito mais além.
Era fundamental aumentar o raio de navegabilidade das embarcações de classe 5. Não faz qualquer sentido hoje em dia, as embarcações que por exemplo tenham 4 ou 5 metros e um motor de 40 Cv, dotadas de modernos instrumentos de navegação como o GPS e sonda, estarem limitadas a 3 milhas de raio de ação de um porto de abrigo, quando há alguns anos atrás, com muitos menos meios de navegação se permitiam navegar até 6 milhas de um porto de abrigo. Embarcações com estas caraterísticas percorrem 3 milhas num curtíssimo espaço de tempo, não fazendo sentido a limitação que se lhes impõe.
Seria importante subdividir a classe 5, permitindo que estas embarcações mediante determinada potência e quando dotadas de adequados meios eletrónicos de navegação, tivessem uma maior autonomia em termos de distância de saída de um porto de abrigo ainda que se mantivesse o atual afastamento à costa, por exemplo, 6 milhas para cada lado com afastamento máximo da costa de 3 milhas (uma embarcação como a que acima referimos percorre três milhas nem pouco tempo).
Por outro lado, continua por resolver a imensa teia burocrática associada à palamenta obrigatória das embarcações, desatualizada e demasiado exagerada para embarcações pequenas (2-3m). Para não falar do cruzamento com a complexa lei da armas, no que se refere à aquisição dos necessário pirotécnicos. Nesta matéria paga o justo pelo pecador, pois o uso indevido dado por quem nada tem a ver com a náutica ou pesca profissional, essencialmente associado às claques de adeptos de outros desportos, burocratizou imenso a venda e aquisição deste tipo de instrumentos de segurança, prejudicando aqueles a quem estes se destinam verdadeiramente e consequentemente a náutica de recreio. São pouquíssimos os comerciantes que os vendem pelas condições que se lhes impõem para a sua venda. A aquisição dos pirotécnicos é um verdadeiro desafio à paciência com imenso tempo perdido para se obterem, desde a burocracia às viagens, pois são poucos são os locais de venda em Portugal, não se vendem on-line para não falar dos preços de aquisição que chegam a ser três vezes superiores aos que se praticam noutros países (acreditando que também estes estarão associados aos custos da carga burocrática que estará subjacente ao direito de venda). Tudo isto não faz sentido e há muito que deveria ter sido revisto a bem da náutica de recreio o de todos aqueles que usufruem de embarcações seja para que fim.
O livrete de posse da embarcação, deveria ser mais que suficiente como meio de prova para aquisição ou troca de pirotécnicos em fim de vida, em qualquer loja física que venda material náutico seja ou loja digital (através de envio direto).
Era fundamental diminuir a distância entre portos de abrigo, permitindo aumentar a navegabilidade. Nesse sentido era importante dotar o território de infraestruturas de um modo o mais equidistante possível. Não só como novas infraestruturas mas especialmente reclassificando, as pequenas estruturas que existem ao longo da costa onde já existem pontos de acesso a embarcações de pesca local mas que muitas das vezes não estão consideradas como “Portos de Abrigo” para efeitos de navegação e/ou apresentam-se em deficientes condições de manutenção.
Era fundamental uma aposta séria na recuperação e manutenção das poucas infraestruturas públicas existentes que se apresentam completamente degradadas. São rampas de varadouro públicas com o piso degradado, são os seus pontos de entrada completamente assoreados, é a completa anarquia que existe nestes pontos, ora ocupadas com embarcações abandonadas ou simplesmente estacionadas, de modo caótico.
Como é que é possível que existam guinchos públicos totalmente inoperacionais!
Como é que é possível que se construam rampas de varadouro sem quaisquer condições (em termos de largura e inclinação) para se baixar uma embarcação em segurança, ou em locais onde depois se torne quase impossível o acesso automóvel ou as manobras com atrelados, com arranjos urbanísticos envolventes feitos por quem pouco sabe das reais necessidades desta utilização!
Como é que é possível que se concessionem espaços do domínio público hídrico a particulares que depois não contemplam acessibilidade a embarcações ligeiras!
É fundamental diminuir o afastamento entre as infraestruturas de acesso à utilização dos meios náuticos. Permitindo, por um lado, aumentar o raio de navegabilidade das embarcações de classe inferior e por outro lado, garantir uma adequada dispersão ao longo da costa e rios navegáveis, aumentando a oferta de proximidade ao longo do território.
Seria fundamental criar uma rede de infraestruturas públicas que fosse uma clara alternativa para as pequenas embarcações e nautas de menores recursos económicos. Quer através de novos pontos de acesso com rampas de varadouro devidamente dimensionadas e pequeno guincho manual, quer através da recuperação, beneficiação e alteração dos pontos de acesso existentes (degradados e completamente ocupados com embarcações abandonadas ou mal estacionadas e onde até se estacionam veículos automóveis).
Comparando com outros meios de locomoção, é incompreensível que se invista tão pouco nas infraestruturas de apoio aos meios de transporte náuticos, comparativamente aquilo que é o investimento público relativamente a outros meios de locomoção terrestres como sejam o automóvel (em vias, estacionamentos, parques etc) ou mais recentemente, de apoio à bicicleta (com vias dedicadas, pistas, estacionamentos etc.).
Pouco que se investe no apoio às embarcações e do pouco que se investe a sua maior parte está associado a investimento que é concessionado a particulares, ou apenas de uso exclusivo para a pesca comercial (menosprezando a possibilidade destas estruturas poderem ter um aproveitamento muito mais vasto (nomeadamente para a náutica de recreio), nem que fosse com um simples canal de acesso público para colocação e retirada de embarcações de recreio.
Fica o desabafo de quem sobrevive no difícil mundo da náutica de recreio em Portugal, com uma pequena embarcação de 4,50m – classe 5.
Aurélio Oliveira