Opinião: As Águas Portuguesas

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Portugal é grande nas águas sob a sua gestão mas muito pequeno na abordagem com que as administra. Fazer esta afirmação em plena celebração de Vasco da Gama e de Camões é o espelho de um país de “bandeiras” mas sem uma execução prática.

João Diogo Prazeres / COO da SunConcept

Temos uma costa marítima fantástica, rios, rias e barragens de enorme beleza que, infelizmente, não são devidamente protegidas pelas entidades reguladoras. Acresce a falta de iniciativa dos municípios, a inoperância das entidades de fiscalização, a visão limitada dos investidores, Venture Capital e Private Angels, a operar no país e a reduzida ambição pelo futuro dos operadores marítimo turísticos.
Ilustremos o que acabo de enunciar:
– Para algumas entidades um motor a combustão e um motor elétrico são exatamente o mesmo, são motores! Ignoram que uns mitigam a afetação do meio ambiente, para não afirmar que são 100% amigos do ecossistema e, os outros, espirram óleo nas águas, libertam fumos e gases no meio ambiente e são emissores de ruido, tudo elementos perturbadores para o ecossistema;
– Por desconhecimento ou ignorância demoram ou inviabilizam projetos turísticos que garantem o desenvolvimento e animação de um Portugal que tem tudo para ser rico em oferta para o lazer e turismo náutico, e, de modo particular, nos rios, rias e barragens do país;
– Em simultâneo, nada é feito pelas entidades reguladoras para reduzir e, em tempo útil, eliminar a presença de embarcações a combustão fóssil das nossas águas, num efetivo combate pela mobilidade náutica sustentável e pela valorização da oferta turística portuguesa, enquanto dão um sinal claro aos operadores, encaminhando as suas decisões para a propulsão elétrica;
– Acresce a burocracia e a complexidade processual exigida a qualquer empreendedor. Falta de coordenação entre entidades, processos que exigem muita perseverança e resiliência para superar os imensos obstáculos que tem de enfrentar. O tempo inacreditável que tudo leva a ser decidido e operacionalizado, é desesperante e promove a inação;
– Uma fiscalização inoperante permite constantes abusos dos operadores marítimo turísticos, de entre outros: transporte acima do definido para as embarcações; excesso de velocidade em locais de velocidade controlada; despejo de detritos diretamente nas águas; incomodar outros turistas; etc;
– Não sendo isso suficiente, temos municípios que, ao não investirem na oferta de mobilidade náutica amiga do ambiente, tornam as suas regiões pouco atrativas para a fixação do turismo cada vez mais exigente com a oferta de baixa ou inexistente pegada de carbono.
– Paralelamente temos investidores a olhar para os projetos em Portugal de forma mirrada e sem visão. Procuram projetos de resultado imediato sem terem uma visão que acompanhe os desafios que o futuro nos coloca no caminho para a descarbonização. Ultrapassando as fronteiras, assistimos a uma atuação diferente destes mesmos parceiros de investimento, disponibilizando fundos para o desenvolvimento de produtos, capacitação tecnológica e dos recursos e na internacionalização dos negócios;
–  Os operadores marítimo-turísticos, dada a falta de sinais e a inexistência ou dificuldade de obterem apoios/benefícios que os encaminhem no garante da sua subsistência futura, resistentes à mudança, continuam a manter as suas operações num enquadramento cada vez menos sustentável. Importa que entendam que é imperioso tornarem a sua atividade amiga do ecossistema, sustentável economicamente e responderem às exigências cada vez mais notórias dos turistas pela pegada de carbono neutra.
Exposto este desabafo pelo tratamento desenquadrado em Portugal com que a mobilidade náutica sustentável tem sido tratada no caminho para a descarbonização, importa motivar os empresários de operações náuticas a observarem o que se passa relativamente à mobilidade elétrica em terra. Uma breve observação dos serviços de transporte de pessoas nas nossas cidades indica claramente a vantagem das viaturas elétricas. Certamente mais onerosas do que as convencionais, mas, no final das contas, garantem a sustentabilidade ambiental e económica a médio e longo prazo.
A Sun Concept, nasceu em 2015, com a missão de desenvolver e fabricar embarcações não poluentes e energeticamente autónomas, a preços competitivos e economicamente viáveis de forma a implementar e expandir de forma relevante a sua comercialização nos mercados do recreio náutico, das atividades marítimo turísticas, transportes fluviais e profissionais, garantindo a plena satisfação dos clientes, dos fornecedores, dos colaboradores e assegurando a otimização dos resultados para os acionistas. 
Efetivamente somos resilientes num país que ignora muitas vezes o que se desenvolve em Portugal num contributo efetivo para os objetivos ambientais a que se comprometeu.
Nessa altura, embora tudo indicasse que a eletrificação da propulsão dos barcos seria uma exigência da descarbonização com um futuro promissor, a falta de dados de mercado e a resistência à mudança não perspetivavam de forma clara o seu potencial.
Atualmente, entre de outras, temos estudos internacionais mais recentes sobre o setor náutico que apontam para um mercado de18B USD em 2030.
Observemos os sinais animadores:
Portugal – aos moliceiros da ria de Aveiro é exigida propulsão elétrica em 2025;
Num esforço para combater a poluição atmosférica, a Câmara Municipal de Amesterdão decidiu proibir todos os barcos movidos a gasolina e gasóleo no centro da cidade (definido como estando dentro da circular A10) até 2025;
O plano do governo regional das Baleares de permitir apenas o aluguer de iates elétricos nas ilhas até 2030 é um passo necessário para enfrentar as alterações climáticas e fazer a transição para um futuro mais sustentável;
As associações industriais da Alemanha, Áustria e Suíça, bem como a EBI, enquanto organização europeia de cobertura, apoiam os esforços para descarbonizar a navegação de recreio no Constance Lake. O objetivo da Conferência Internacional do Constance Lake é a navegação de barco com impacto neutro no clima até 2040;
A estratégia revista de GEE da IMO adotou a meta de zero emissões para o transporte marítimo até 2050.

Em suma, a necessidade de acelerar a descarbonização, está a promover legislação que restringe a utilização de barcos de combustão fóssil.
Acreditamos que Portugal também observará esta tendência.
De 2015 até aos dias de hoje a Sun Concept ultrapassou os desafios de:
– consolidar o conceito da embarcação electro solar e da sua sustentabilidade económica e ecológica;
– comprovar o interesse do mercado dos operadores marítimo turísticos (passeios náuticos) e a preferência dos seus clientes – turista que cada vez mais procuram a baixa pegada de carbono – 25 barcos monocascos de 7 mt e 2 catamarans de 12 mt vendidos em Portugal;
– certificar que existe interesse internacional no produto com 7 barcos monocasco e 3 catamarans vendidos para o exterior (Alemanha, Espanha, Suiça e Republica Dominicana);
– confirmar que, embora o target primário sejam os profissionais, os privados também se interessam e procuram embarcações amigas do meio ambiente –  vendidos até ao momento 5 barcos de 7 metros e 2 Catamarans. Proporção já esperada dado que, de acordo com os estudos internacionais, cada vez mais os particulares dão mais importância ao usufrutuo do que à propriedade;
– mudar de instalações por forma a poder aumentar a capacidade de produção tornando-a apenas dependente de recursos humanos e turnos de atividade -mudança de instalações de Olhão para Setúbal em setembro de 2023;
– garantir uma elevada qualidade de produção e de serviço pós venda;
– manter um processo consistente de desenvolvimento e inovação nos produtos que oferece ao mercado.

Contudo, a atividade industrial é de capital intensivo, nomeadamente quando se trata de um negócio de integração tecnológica inovadora e em constante evolução, como é o caso da Sun Concept e que concorre com fabricantes de outros países onde existe uma visão prática e ambiciosa no âmbito da descarbonização.
Os nossos concorrentes internacionais usufruem da proatividade dos seus governos, de fundos de investimento com montantes disponíveis significativos de apoio às empresas cujos esforços visam a transição climática e que olham para a mudança de comportamento, hábitos e rotinas, como algo que tem de realizar já.
Concretizando com dois exemplos, empresas como a Candela ou a X-Shore, criadas em 2014 tiveram do seu lado as entidades locais e governamentais, a proatividade legislativa e um suporte efetivo de Venture Capital e Private Equity. Qualquer um destes projetos, além da participação dos seus fundadores, contaram com diversas rondas de investimento que geraram respetivamente 70 e 50M€. Suporte determinante para o seu desenvolvimento e implementação no mercado internacional.
Voltemos a Vasco da Gama e aos nossos pergaminhos náuticos, a sua expedição à India, segundo o historiador Fernando António Baptista Pereira, custou entre 50 e 100 mil cruzados, qualquer coisa como 70 a 140M€ atuais, neste caso financiada por D. Manuel I com o apoio da Igreja.  Valores normais nas expedições da época.
Essas expedições que exigiam investimentos bastante elevados, envolviam riscos consideráveis, como naufrágios, perda de vidas e, em alguns casos, o fracasso total da missão. Isso tornava o financiamento de expedições um empreendimento arriscado, mas potencialmente muito lucrativo.
Podemos facilmente concluir que corajosos eram os Portugueses da época, quer as entidades publicas quer os investidores privados. Já na época era explorada a lógica das parcerias publico privadas.
No sentido oposto em ambição e coragem, no ano em que se celebra os 500 anos de Vasco da Gama, o investimento e apoio em Portugal, quer das de venture capital ou private equity, quer das entidades publicas – seja através do seu poder legislativo, regulador, fiscalizador ou na vertente da disponibilização de fundos de apoio ao desenvolvimento, está adormecido, para não dizer inexistente, em relação à indústria náutica sustentável.
E é realmente lamentável que Portugal continue sempre a pensar pequeno, a deixar-se ficar para trás e a não seguir os seus bons exemplos da história nem tão pouco observe com critério o que se passa nos países vizinhos. Não basta passar a vida a falar dos feitos passados. Interessa lutar pelo presente e, principalmente, pelos tempos vindouros sem esquecer que o que fizermos hoje será um legado no futuro e seremos recordados por isso.

João Diogo Prazeres / COO da SunConcept

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