A maior câmara digital alguma vez construída para uma missão espacial foi pacientemente montada com 106 detectores electrónicos. Esta matriz com mil milhões de pixéis irá formar o «olho» de alta sensibilidade de Gaia, a missão da ESA que irá cartografar a Via Láctea.
O olho humano consegue ver à vista desarmada milhares de estrelas numa noite limpa. Durante os cinco anos da missão Gaia, a partir de 2013 será possível estudar mil milhões de estrelas dentro da Via Láctea e nas galáxias vizinhas. Desta forma, com Gaia será criado um catálogo único no qual estará especificado o brilho, as características espectrais e a posição e o deslocamento tridimensional de cada objecto observado.
Para estudar as estrelas mais distantes, cujo brilho é um milhão de vezes inferior ao que o olho humano é capaz de detectar, Gaia conta com um detector formado por 106 CCDs, uma versão avançada dos sensores que podemos encontrar nas câmaras digitais convencionais.
Estes sensores foram desenvolvidos especificamente para esta missão pela empresa e2v Technologies, de Chelmsford, Reino Unido. Com uma forma rectangular, cada um dos sensores é ligeiramente mais pequeno do que um cartão de crédito (4.7×6 cm) e é mais fino do que um cabelo humano.
O plano focal de Gaia está formado por um mosaico de CCDs de 0.5×1.0 m, que acaba de ser montado nas instalações do contratante principal da missão, a Astrium France, em Toulouse.
Os técnicos da Astrium estão desde Maio a fixar, com o máximo cuidado, cada um dos sensores na estrutura de suporte, deixando apenas um espaço de 1 mm entre cada bloco. Trabalhando em turnos duplos, nas exigentes condições da sala limpa, conseguiram integrar uma média de quatro CCDs por dia, completando a tarefa no passado dia 1 de Junho.
A montagem e o alinhamento preciso dos 106 CCDs é um passo crucial na montagem do plano focal do modelo de voo do Gaia, explica Philippe Garé, responsável pela carga útil do Gaia, para a ESA.
O mosaico completo conta com sete filas de CCDs. A matriz principal é formada por 102 sensores dedicados à detecção de estrelas. Os outros quatro sensores servem para comprovar a qualidade da imagem em cada telescópio e para controlar a estabilidade do ângulo de 106.5° que formam os dois telescópios que serão utilizados na missão Gaia para se conseguirem imagens tridimensionais das estrelas.
Para aumentar a sensibilidade dos sensores, o satélite manterá a sua temperatura a -110°C.
A estrutura de suporte dos CCDs, tal como grande parte do satélite, é feita de carbeto de silicio, um material com propriedades cerâmicas, extraordinariamente resistente às deformações provocadas por mudanças de temperatura.
O carbeto de silicio, desenvolvido originalmente como substituto dos diamantes, apresenta como grande vantagem a baixa densidade: no caso de Gaia, a estrutura de suporte, completa com os detectores, tem uma massa de apenas 20 kg.
O Gaia operará a partir do ponto de Lagrange L2 do sistema Terra-Sol, a um milhão de quilómetros da Terra em direcção oposta ao Sol, onde o movimento orbital do nosso planeta equilibra as forças gravitacionais, criando um ponto de estabilidade no espaço. À medida que os telescópios de Gaia varrem o céu, a luz de cada estrela chegará ao plano focal, dividido em quatro secções dedicadas especificamente a cartografar a sua posição e movimento, cor e intensidade e o seu espectro de emissão.
O lançamento do Gaia está previsto para 2013. Esta missão permitirá obter um mapa tridimensional de 1% das estrelas de nossa Galáxia, que ajudará a revelar a composição, formação e evolução da Via Láctea.
O Gaia também estudará uma panóplia de outros corpos celestes, desde os pequenos objectos no nosso Sistema Solar aos distantes quasares e galáxias, próximo dos limites do Universo observável.
Fotografia: ©Astrium