Miguel Lacerda: Lixo Marinho, uma preocupação para tontos!

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Miguel Lacerda

Desde 1981 que chamo a atenção para o problema do lixo marinho no nosso litoral, na altura chamavam-me “tonto”, “porco” e “fritado da cabeça”, cheguei mesmo a ser ameaçado por um cabo-de-mar (detenção) por trazer lixo do mar para terra.
Fui mentor da primeira ação de recolha subaquática de lixo marinho em Portugal, na baía de Cascais (1981), mais tarde denominada pelo município de Cascais como “Clean Up the Atlantic”.
Sempre atento e preocupado com o desenvolvimento deste flagelo, denotando-se de dia para dia um crescer descontrolado e exponencial, comecei a ser uma voz ativa e denunciadora de todas as situações que mostravam negligência, prepotência e mesmo indiferença por parte de quem tem obrigações e deveres.
A minha experiência como mergulhador (hoje com mais de 48 anos de atividade), de velejador profissional com centenas de regatas feitas por todo o mundo, a minha ligação profissional a museus, as expedições científicas em que participei, os estudos de fauna levaram-me a conhecer melhor a situação e de uma forma global.
Recordo que em 1984, numa expedição às ilhas Desertas para o Estudo dos Lobos Marinhos fiz parte da equipa de investigação do “Sea Mammal Research Unit” onde localizei e identifiquei inúmeras redes de pesca perdidas no fundo do mar, pelo que resolvi pedir ao governo Regional da Madeira um apoio logístico para proceder a remoção dessas redes (voluntariamente)… em forma de gozo chamaram-me “tonto”.
Nos anos noventa iniciei um programa de ações de limpeza e avaliação subaquática de docas e marinas, onde deu para ter a noção da forma descuidada e negligente como muitos dos utentes do mar o tratam.
Com o decorrer dos anos, nunca parei de denunciar e chatear tudo e todos para este problema, assim como apontar o dedo para a falta de sensibilidade, oportunidade e responsabilidade quer da classe política, quer das entidades e autoridades competentes.
Passei a ser uma espécie de “persona non grata”, alguém que só “incomoda”, alguém que “está mal com o mundo” … para os importunados “um fritado da cabeça”.
Competitivo e teimoso como sou, mesmo sentindo que se trata de um remar contra uma maré, nada me demoveu desta missão, principalmente quando me apercebo que interesses e hipocrisia se sobrepõem tudo e todos.
Mas nem todos me vêm da mesma maneira, recordo que em 2009, no 10 de Junho fui homenageado pelo Município de Cascais com uma “Medalha de Mérito pela Defesa da Natureza e Meio Ambiente” concedida pelo Presidente na altura Dr. António d’Orey Capucho.

“…os plásticos são só um dos muitos problemas que comprometem a sustentabilidade dos Oceanos e a vida marinha…”

Lixo marinho não é só o plástico
Hoje muito na voga o tema do Lixo marinho, graças às redes sociais (caso contrário não se falava do assunto), parece que o problema dos Oceanos está confrangido aos plásticos.
Infelizmente os plásticos são só um dos muitos problemas que comprometem a sustentabilidade dos Oceanos e a vida marinha. Existem outros fatores tão ou mais comprometedores que os plásticos, mas que ninguém fala, como por exemplo os metais pesados (e outros) mas como em tudo na vida “coração que não vê, coração que não sente”.
Os plásticos, têm a particularidade de uma grande parte flutuar, fáceis de identificar (por todos) e de serem atirados para terra pelos ventos, correntes e ondulação, o que, devido à quantidade de plásticos existentes e espalhados pelos Oceanos acaba por surtir um efeito desolador, comprometedor e de desconforto para todos aqueles que gostam de desfrutar a natureza e o meio ambiente. Muitas espécies morrem e dão a costa por causa dos plásticos… No fundo os plásticos acabam por ser o exemplo/modelo acessível e visível ao comum cidadão do quão mal estamos a tratar os Oceanos e o planeta em geral.

Dados errados resultam em leis descabidas
Foi na primeira década deste século que se começou a falar mais sobre o lixo marinho, as redes sociais começaram a difundir através de imagens e comentários uma realidade até então abafada e na maior parte das vezes ignorada. O impacto desta nova forma de comunicar (e comprometer) acabou por forçar a classe política, entidades, autoridades e até os média a dar mais atenção ao problema.
Infelizmente o foco não está muito virado para se resolver o problema do lixo marinho, mas sim criar gabinetes, fazer grandes congressos que não levam a nada, estudos…, subsídios, viagens e muitos “tachos” para amigos.

“…estamos a trabalhar em cima do joelho e que não queremos uma solução para o problema…”

Os dados apresentados em relação ao lixo marinho (plásticos e derivados), quer a nível nacional, europeu ou mesmo nações unidas são completamente descabidos quando se fala de lixo marinho nos Oceanos, demonstram o quão errado se está a trabalhar nesta área. As monotorizações (locais) e a forma de contabilizar o lixo marinho (por itens) não deixa margens para dúvidas que estamos a trabalhar em cima do joelho e que não queremos uma solução para o problema.
Dou um pequeníssimo exemplo: Uma palhinha de plástico (de uma bebida) representa um item, uma rede de pesca com 300 kg representa também um item, ou seja, se eu for para uma praia e apanhar duas palhinhas estas são mais representativas em termos prejudiciais do que uma rede de plástico (no entanto uma rede dá para fazer muitos milhões de palhinhas…).
Como é possível nos 10 primeiros itens destas entidades a esferovite (EPS) não constar da lista? Está tudo dito…
Continua-se a trabalhar sobre valores errados e é a partir destes valores que se avalia, se decidem prioridades, procedimentos e se elaboram as leis.

A realidade não interessa
Ando desde 2014 a avaliar o lixo marinho no nosso litoral, removo todos os anos mais de 30 000 litros de plásticos e derivados (em pouco mais de 3 quilómetros de costa), numa zona extremamente estratégica (como ponto de referência no Cabo da Roca), faço mais de 100 ações por ano (voluntariado), removo lixo do fundo do mar… não sou nenhum expert na matéria, mas presumo que qualquer “burro” não teria dificuldade em perceber o que se está a passa.
Tento chegar a quem de direito de forma a mostrar uma outra realidade, talvez por ser crítico e de apontar o dedo aos que acabam por ser cúmplices da situação, preferem ignorar a realidade.

“… >70% dos plásticos nos Oceanos têm origem na pesca profissional, na marinha mercante e nos utentes do mar…”

Ao contrário do que dizem “80% dos plásticos nos Oceanos têm origem habitacional” é muito fácil apontar o dedo a todos e a ninguém… eu contraponho que > 70% dos plásticos nos Oceanos têm origem na pesca profissional, na marinha mercante/cruzeiro e nos utentes do mar. Falamos só de cerca de 20% dos plásticos que vemos e podemos contabilizar, os restantes 80% estão envolvidos e depositados no fundo do mar.
Criei uma associação ambiental CASCAISEA (sem fins lucrativos), da qual faço parte da direção. Trabalho com gente idónea e voluntária que se preocupa, está atenta e cuida do nosso mar. Estamos sempre no terreno, trabalhamos diretamente com pescadores, vamos a escolas a empresas, sensibilizamos e consciencializamos… tudo fazemos para cumprir a nossa missão, proteger e garantir uma maior sustentabilidade para os Oceanos.

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