Luís Quinta é uma referência no que diz respeito à fotografia e documentário de Natureza e Vida Selvagem. O seu à vontade na captação de imagens subaquáticas bem como nas montanhas fazem de Luís Quinta um dos profissionais mais versáteis que conheci. Mas não são os atributos técnicos que mais valorizo… o seu rigor estético, o pensar a imagem, o tentar fazer sempre melhor e por fim, a sua simplicidade.
Nesta nossa conversa vamos conhecer um pouco melhor o seu mais recente projeto – Mar da Minha Terra.
O documentário Mar da Minha Terra foi exibido, no passado dia 20 de Setembro, no canal de televisão SIC.
Texto: Vasco de Melo Gonçalves
O que é o projeto Mar da Minha Terra e o que representa para a tua carreira?
Este é um daqueles projetos que marca uma carreira e uma etapa na vida de um fotografo/realizador. É mostrar com detalhe algumas das maravilhas naturais que circulam nas águas adjacentes ao local onde habito. Sempre morei no Concelho de Almada, e vivo na Costa da Caparica há 25 Anos. Apesar de já ter mergulhado e trabalhado um pouco por todo o mundo, é um prazer imenso partilhar os seres vivos fascinantes que vivem perto de nós. É mostrar a “nossa terra” o Mar da Minha Terra aos residentes e visitantes que querem conhecer mais sobre este território. Este trabalho é apenas sobre uma ínfima parte do que existe por aqui, são pequenos fragmentos de um todo muito maior.
Como nasceu este Projeto?
Apesar de ter viajado muito além fronteiras, nunca deixei de olhar para o território nacional, quer o mais longínquo, como os Açores e a Madeira, quer o que tenho à porta de casa.
O fascinante mar português é ainda pouco conhecido e divulgado. Apesar de cada vez mais se falar dele, é ainda muito pouco o que se conhece e é partilhado com o grande público.
Com tanto por explorar decidi há uns anos que iria dedicar algum tempo do meu trabalho a pesquisar este território.
Apesar de estar a falar de um arco de litoral entre o Bugio e o Cabo Espichel, às portas de Lisboa, este território está mal estudado… há pouca informação cientifica, especifica sobre esta zona da costa portuguesa. Isso criou-me logo algumas dificuldades, mas também desafios…
“…Apesar de ter viajado muito além fronteiras, nunca deixei de olhar para o território nacional, quer o mais longínquo, como os Açores e a Madeira, quer o que tenho à porta de casa…”
Como tem sido a relação com teu cliente, neste caso, a C.M. de Almada? Aceitou o teu projeto como idealizaste ?
A Câmara Municipal de Almada tem sido um ótimo parceiro em muitos projetos que tenho realizado, pela qualidade das propostas, exclusividade dos produtos e pelo alcance que muitos destes trabalhos atingem. O departamento de Ambiente da CM Almada reconhece que estes produtos são bons para a região, para o concelho e até para o país!.
Claro que há algumas colaborações/solicitações que partem da própria CM Almada.
Há sempre alguns ajustes nas ideias que proponho, mas tenho tido margem de manobra para seguir as bases de cada projeto.
Este território é muito rico em biodiversidade e ainda há muito por fazer!
No documentário qual foi o maior desafio que tiveste durante as filmagens?
Tive inúmeros desafios, muitos mesmo… Todo este mar, é “agreste”, tipicamente tem vento (“chato” e moderado), ondulação regular, águas turvas, frias e verdes. Apanhar um mar calmo, sem vento, água transparente, azulada são uma trintena de dias por ano (distribuídos ao longo de vários meses). O que é muito pouco para trabalhar regularmente e consistentemente. Mesmo quando tenho boas condições, por vezes não encontro os animais que procuro, principalmente de mega fauna, baleias, golfinhos, tubarões, entre outros. É uma frustração ter as condições ideais e não encontrar nada, os meus sujeitos para filmar, ou fotografar.
Há pouco conhecimento científico desta zona em particular, quando falo com especialista em várias áreas, ou me apresentam trabalhos realizados noutros locais do País, ou o que vejo são trabalhos muito elementares, sem detalhe… generalidades.
Nesta zona da costa apenas um centro de mergulho faz algumas imersões no Verão, é um território pouco explorado.
Não há vigias em terra para orientar os operadores de turismo náutico de observação de vida marinha. O método de trabalho é o mais elementar… é navegar no mar aberto e procurar indícios da presença da fauna marinha, o que exige mais tempo, recursos, paciência, conhecimento, etc. Aqui não há “papinha feita”… é mesmo “partir pedra”… procurar! procurar! interpretar!
“… O método de trabalho é o mais elementar… é navegar no mar aberto e procurar indícios da presença da fauna marinha…”
O ser vivo mais cativante?
Gosto essencialmente da mega fauna, também acho o maravilhoso mundo do placton um regalo para os olhos. Diria que as baleias serão os maiores desafios neste território e os mais incríveis de observar. Nadar ao lado de uma baleia de 9 metros ao largo da Fonte da Telha, é uma grande recompensa!
Um pormenor importante, que é transversal no teu trabalho, é o cuidado estético das imagens e neste documentário ele está bem presente. Gostaria que me desenvolvesses um pouco esta tua abordagem.
Duas das regras bases do meu trabalho são, qualidade de imagem, qualidade estética, composição, harmonia. Mostrar a vida selvagem com imagens bonitas, valoriza mais o trabalho, cativa mais o observador, dignifica os protagonistas (seres vivos). Se puder contar uma bela história de vida, com uma bonita sequência, todos ficam a ganhar e é nisso que me concentro muito na minha abordagem cinematográfica ou fotográfica. Dá mais trabalho, estar ainda a pensar no aspeto estético, sobretudo no meio subaquático, além dos detalhes técnicos, equipamentos, mergulho, dinâmica da espécie, entre outros, contudo, no fim, os resultados podem compensar. Um filme com imagens bonitas capitaliza mais emoção, afinidade do espetador com a obra! ficam boas memórias, boas recordações!
Ao ver o documentário e, não sendo tu um académico observa-se que existe rigor científico. Como é a relação com a comunidade científica? O teu trabalho é bem aceite?
Desde muito cedo que trabalhei de perto com a comunidade cientifica. Ganhei o gosto pelo rigor cientifico. E não consigo viver/trabalhar sem esta premissa. Quando não sei algo de uma espécie, procuro, estudo. Quando não encontro, contacto os cientistas da área, ou que trabalham especificamente com a espécie A ou B. Hoje em dia conheço muitos cientistas, pelo que não é difícil encontrar a pessoa certa. Quando não sabem, perguntam a colegas estrangeiros. É um método de trabalho que, não sendo difícil, dá trabalho e leva tempo, mas reforça muitas vezes as histórias que conto, dando mais valor ao que vemos. Não pretendo apenas exibir imagens bonitas com generalidades de biologia, ou ecologia. Também não assumo a 100%, tudo o que o cientista me diz, questiono, comparo, posso, às vezes refletir sobre alguns detalhes e cruzar informação. O que hoje é verdade para a ciência, pode não o ser daqui a dois, três anos! Por vezes deparo-me com alguma informação “desatualizada”!
“…Desde muito cedo que trabalhei de perto com a comunidade cientifica. Ganhei o gosto pelo rigor cientifico…”
Quanto tempo demorou a produzir este documentário?
Comecei a olhar para o mar da frente Atlântica de Almada com um projeto multidisciplinar em 2014. Depois fui amadurecendo ideias, pesquisando, testando. Fui ao mar várias vezes para estudar a possibilidade de encontrar várias espécies de cetáceos, de tubarões, etc. Estas saídas deram-me uma ideia geral do território, se quisesse avançar para um filme, livro, etc., se teria ou não “matéria prima” para desenvolver essa ideia. Falei com pescadores, mergulhadores e alguns biólogos para recolher pistas, ideias, informação para começar a esboçar um guião.
A filmar, com ideias arrumadas, produção apoiada, comecei em 2017… mas foi um ano pouco produtivo, muitos dias de vento, águas turvas, etc. Em 2018 filmei muito mais e com melhores resultados. 2019 foi para finalizar a edição/montagem e todos os detalhes de pós-produção.
A ideia do livro surge depois da documentário?
A ideia do livro foi amadurecendo ao longo da rodagem do filme de história natural. Até que em 2019 se concretizaram as ideias, o guião, o estilo da obra.
Qual vai ser a linha condutora do livro?
O livro não é um “filho” do filme, mas sim um “irmão” tem características semelhantes, o território é o mesmo, mas a personalidade de cada obra é distinta. O livro tem dois autores, Luís Quinta e Martim Quinta. Pai e filho, a mesma paixão pelo mar, duas visões distintas do território. O livro é composto por textos, fotografias e ilustrações. Textos de várias origens (Luis Quinta e Câmara Municipal de Almada, entre outros), fotos de Luis Quinta e ilustrações de Martim Quinta.
Penso que será uma obra inédita em Portugal e muito bonita em termos de conteúdos. O livro aborda o mar da frente atlântica de Almada, com largas dezenas de fotografias de animais surpreendentes, desde plancton a grandes baleias, bem como outras largas dezenas de ilustrações de grandes e pequenos animais, desenhos com grande rigor, e desenho em cadernos de campo.
Como é trabalhar com um filho?
O Martim Quinta começou a desenhar para este projeto com 15 anos de idade. Com grande rigor, mas ainda com muito conhecimento do pai. Com a maturação, quer de ilustração, quer do conhecimento do mar que nos rodeia, começou também a criar os seus pontos de vista, as suas abordagens estéticas do trabalho. Quando a paixão pelo que se faz é enorme, não há grandes dificuldades pelo caminho.
“…Quando a paixão pelo que se faz é enorme, não há grandes dificuldades pelo caminho…”
Existe a possibilidade do Documentário ser exibido no estrangeiro?
Sim! essa ideia está em cima da mesa.
Uma pergunta clássica. Quais os próximos projetos?
Quero trabalhar mais o mar de proximidade. Há tanto por fazer, tanto por explorar. Já ando a filmar algumas histórias. Ainda não tenho um projeto 100% delineado, quero reunir mais alguma informação e conhecer, em detalhe, alguns locais de que ouvi falar. Não quero ficar pelos lugares comuns e muito explorados, ou histórias muito conhecidas! Quero apresentar novidades, quer para o grande público, quer para a comunidade de mergulho, ou de cientistas. Quero fazer pura exploração…
Mas digamos que o mar será um dos temas a desenvolver.
Ideias não faltam, antes pelo contrário… o mais difícil mesmo é conseguir apoios financeiros para desenvolver estes projetos.
Martim Quinta
Aos 14 anos o ambiente marinho torna-se-lhe irresistível! e pede-lhe cada vez mais tempo e atenção.
Frequenta entre 2017 e 2019 o curso de ilustração científica de Pedro Salgado bem como outras ações de formação com Marco Correia.
No Verão de 2018 mergulha profundamente na ilustração onde partilha as suas observações e paixões.
Aos 16 anos não vive sem desenhar as criaturas marinhas que vai conhecendo nestas explorações sem fim.
Alguns dos seus desenhos integraram exposições coletivas de desenho de natureza.
Em Maio de 2020 vence o concurso de ilustração “White Shark – Guy Harvey Contest”
Luís Quinta
O multipremiado fotógrafo e realizador de história natural, Luís Quinta é colaborador regular da National Geographic Magazine e da revista Visão.
Publicou mais de um milhar de artigos e reportagens na imprensa nacional.
Diversos artigos e imagens publicadas na imprensa internacional.
Em Novembro de 2004 foi homenageado pelo Governo Português pelo seu trabalho na área da fotografia subaquática, sendo designado um dos “Novos Heróis do Mar”.
Autor de vários livros e colaborador em muitos outros, com destaque para “Luis Quinta 25 anos a Fotografar” Outubro 2013 – Produzido pela Câmara Municipal de Almada
Integrou o “Dream Team” do maior projeto fotográfico sobre natureza na Europa – “Wild Wonders of Europe” financiado pela National Geographic.
Vários prémios de grande destaque em concursos de fotografia de natureza em Portugal e no Mundo. No ano de 2017 recebeu uma menção honrosa na categoria “Nature Studio’s” no European Wildlife Photographer of the Year – com uma imagem captada na praia da Fonte da Telha.
Muitas das imagens de Luís Quinta tem sido usadas por universidades e museus para várias publicações científicas e suporte pedagógico.
Tem proferido inúmeras conferências e palestras por todo o país, incluindo muitas Universidades, bem como em festivais no estrangeiro.
Ao longo de 30 anos de carreira realizou inúmeras exposições de fotografia individuais e colaborou em muitas outras, em Portugal e pelo Mundo. (8 grandes exposições individuais, a mais recente – 2017 – “Sinfonia de Neptuno” sobre as ondas da Frente Atlântica de Almada).
Autor e co-autor de vários filmes de história natural. Para TV:
“Arrábida da serra ao mar” 2013 – 50′
“Almada entre o rio e o mar” 2014 – 50′
“Reino Maravilhoso – Por terras do Alvão e do Marão” 2016 – 50′
“Mar da Minha Terra – Almada Atlântica” 2020 – 46’