Uma equipa de astrónomos, ao utilizar o mais recente conjunto de dados da missão Gaia da ESA, para procurar estrelas em alta velocidade a ser expulsas da Via Láctea, ficaram surpresos.
Em abril, o topógrafo estelar da ESA, Gaia, lançou um catálogo sem precedentes de mais de mil milhões de estrelas. Astrónomos em todo o mundo têm trabalhado incessantemente, nos últimos meses, para explorar este extraordinário conjunto de dados, examinando as propriedades e movimentos das estrelas na nossa Galáxia e mais além, com uma precisão nunca antes alcançada, dando origem a uma infinidade de novos e intrigantes estudos.
A Via Láctea contém mais de cem mil milhões de estrelas. A maioria está localizada num disco com um centro denso e abaulado, no meio do qual se encontra um buraco negro supermassivo. O resto encontra-se espalhada num halo esférico muito maior.
As estrelas circundam a Via Láctea a centenas de quilómetros por segundo, e os seus movimentos contêm uma riqueza de informações sobre a história passada da Galáxia. A classe mais rápida de estrelas na nossa galáxia denomina-se de estrelas de hipervelocidade, que supostamente começam a sua vida perto do centro galáctico, para depois serem lançadas em direção à borda da Via Láctea, através de interações com o buraco negro.
Apenas um pequeno número de estrelas de hipervelocidade foi descoberto, e o segundo lançamento de dados, recentemente publicado por Gaia, oferece uma oportunidade única de procurar mais.
Vários grupos de astrónomos entraram no novíssimo conjunto de dados em busca de estrelas de hipervelocidade, imediatamente após o lançamento. Entre eles, três cientistas da Universidade de Leiden, Holanda, tiveram uma grande surpresa.
Para 1.3 mil milhões de estrelas, Gaia mediu posições, paralaxes – um indicador da sua distância – e movimentos 2D no plano do céu. Para sete milhões das mais brilhantes, também mediu a rapidez com que estas se movem na nossa direção ou para longe de nós.
“Dos sete milhões de estrelas de Gaia com medições de velocidade 3D, encontramos vinte que poderiam estar a viajar rápido o suficiente para eventualmente escapar da Via Láctea,” explica Elena Maria Rossi, uma das autoras do novo estudo.
Elena e seus colegas, que já haviam descoberto um punhado de estrelas de hipervelocidade no ano passado, num estudo exploratório baseado em dados do primeiro lançamento de Gaia, ficaram agradavelmente surpresos, pois esperavam encontrar no máximo uma estrela a soltar-se da Galáxia entre esses sete milhões. Mas ainda há mais.
“Em vez de voar para longe do centro galáctico, a maioria das estrelas de alta velocidade que vimos parece estar a voar em direção a ele,” acrescenta o co-autor Tommaso Marchetti.
“Estas podem ser estrelas de outra galáxia, a passar através da Via Láctea.”
É possível que estes intrusos intergalácticos venham da Grande Nuvem de Magalhães, uma galáxia relativamente pequena que orbita a Via Láctea, ou podem ter origem numa galáxia ainda mais longe. Se for esse o caso, estas contêm a marca do seu local de origem, e estudá-las a distâncias muito mais próximas que da sua galáxia-mãe, poderia fornecer informações sem precedentes sobre a natureza das estrelas noutra galáxia – semelhante a estudar material marciano trazido para o nosso planeta por meteoritos.
“As estrelas podem ser aceleradas a altas velocidades quando interagem com um buraco negro supermassivo,” explica Elena.
“Portanto, a presença destas estrelas pode ser um sinal de tais buracos negros em galáxias próximas. Mas as estrelas também podem ter sido parte de um sistema binário, lançado em direção à Via Láctea quando a sua estrela companheira explodiu como uma supernova. De qualquer forma, estudá-las poderia dizer-nos mais sobre esse tipo de processos em galáxias próximas.”
Uma explicação alternativa é que estas estrelas recentemente identificadas poderiam ser nativas ao halo da nossa galáxia, aceleradas e empurradas para dentro através de interações com uma das galáxias anãs que caíram em direção à Via Láctea durante o seu histórico de construção. Informações adicionais sobre a idade e a composição das estrelas poderiam ajudar os astrónomos a esclarecer sua origem.
“É provável que uma estrela do halo da Via Láctea seja razoavelmente velha e feita principalmente de hidrogénio, enquanto estrelas de outras galáxias poderiam conter muitos elementos mais pesados,” diz Tommaso.
“Olhar para as cores das estrelas dir-nos-á mais sobre a sua constituição.”
Os novos dados ajudarão a determinar a natureza e a origem dessas estrelas com mais precisão, e a equipa usará telescópios terrestres para descobrir mais sobre elas. Enquanto isso, Gaia continua a fazer observações do céu por inteiro, incluindo as estrelas analisadas neste estudo.
Ao investigar a natureza destes possíveis intrusos estelares, a equipa também está a pesquisar o conjunto completo de dados do segundo lançamento de Gaia, procurando por mais estrelas de alta velocidade e aguardando o futuro. Pelo menos mais dois lançamentos de dados de Gaia estão previstos para 2020, e cada um fornecerá informações novas e mais precisas sobre um conjunto maior de estrelas.
“Esperamos medições de velocidade total em 3D para até 150 milhões de estrelas,” explica o coautor Anthony Brown, presidente do Consórcio Executivo de Processamento e Análise dos Dados de Gaia.
“Isto ajudará a encontrar centenas ou milhares de estrelas de hipervelocidade, compreender a sua origem com muito mais detalhes e usá-las para investigar o ambiente do centro galáctico, bem como a história da nossa galáxia,” acrescenta.
“Este resultado emocionante mostra que Gaia é uma verdadeira máquina do descobrimento, fornecendo o terreno para descobertas completamente inesperadas sobre a nossa galáxia,” conclui Timo Prusti, cientista do projeto Gaia da ESA. Fonte: ESA