Uma investigação liderada pela bióloga Sílvia Monteiro, da Universidade de Aveiro (UA), identificou uma alteração temporal na dieta da baleia-anã em águas atlânticas da Península Ibérica, possivelmente associada à variação na abundância de sardinha.
O estudo analisou a dieta desta espécie de cetáceo, entre 2005 e 2024, e revelou que, durante o período de escassez de sardinha (2005-2015), resultante de prolongado baixo recrutamento associado a pesca acima de níveis sustentáveis, a dieta da baleia-anã foi mais diversificada, incluindo espécies como carapau, cavala e sardinha. Já nos anos seguintes, quando o stock de sardinha começou a recuperar (2016-2024), esta espécie-presa passou a dominar a alimentação das baleias.
A relação entre a dieta da baleia-anã e a abundância de sardinha sugere que as medidas de gestão da pesca implementadas em Portugal tiveram um impacto positivo na recuperação dos stocks desta espécie-presa, garante Sílvia Monteiro, do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar e do ECOMARE da UA, que, a par dos investigadores Andreia Torres Pereira, Alfredo López, Maria Inês Azevedo e Catarina Eira, assina o estudo. No entanto, os investigadores alertam para o facto de que cetáceos com elevado custo metabólico, como a baleia-anã, são altamente dependentes de espécies-presa de elevada qualidade nutricional. A sua condição física pode ser comprometida quando há uma redução na disponibilidade dessas presas, o que poderá afetar a resiliência da população, atualmente classificada como Vulnerável na Península Ibérica.
O trabalho da UA evidencia ainda uma potencial sobreposição entre os recursos explorados pela pesca comercial e a alimentação da baleia-anã, em termos de espécies e tamanhos explorados, bem como qualidade nutritiva. Embora a simples sobreposição não seja necessariamente um indicador de competição direta, os investigadores alertam para o risco de impacto negativo quando os stocks de peixe diminuem e são sujeitos a uma elevada pressão pesqueira. Nestas situações, a pesca pode representar uma ameaça direta, através da captura acidental, ou indireta, devido à sobreexploração das presas fundamentais para a sobrevivência da baleia-anã.
O conhecimento dos hábitos alimentares das baleias-anãs é essencial para os esforços de cogestão e conservação, especialmente face às alterações nos stocks de peixe. Para garantir a sustentabilidade dos ecossistemas marinhos e minimizar os impactos sobre esta espécie, os investigadores defendem a necessidade de reforçar a monitorização dos stocks de peixe e de implementar medidas que reduzam a captura acidental de cetáceos. Além disso, salientam a importância da colaboração internacional e do fortalecimento das redes de arrojamento, para recolher mais dados sobre a ecologia e a condição física da baleia-anã nesta região.
Ao compreender o papel ecológico das baleias-anãs, aponta Sílvia Monteiro, “podemos contribuir para estratégias de conservação adaptadas a espécies múltiplas, garantindo a sua coexistência, e melhorar soluções baseadas na natureza, destinadas a restaurar os ecossistemas marinhos. As baleias desempenham um papel no sequestro de carbono através do ciclo de nutrientes, que é muito importante para a produtividade marinha e, em geral, para a sustentabilidade do meio marinho e para a resiliência climática”.
Este estudo representa a primeira descrição da dieta da baleia-anã no sul da sua área de distribuição no Atlântico Norte e foi realizado em colaboração com investigadores do Centro Oceanográfico de Vigo (COV, IEO-CSIC), do Instituto de Investigacións Mariñas (IIM-CSIC) e das redes de arrojamento de Portugal (coordenada a nível nacional pelo Instituto de Conservação da Natureza e Florestas ICNF) e da Galiza (coordenada regionalmente pela Coordinadora para o Estudo de Mamíferos Marinhos CEMMA). O conhecimento adquirido poderá contribuir para estratégias de gestão pesqueira baseadas nos ecossistemas, promovendo a coexistência sustentável entre a pesca e os predadores marinhos.