Barcos Tradicionais do rio Tejo: Um património que não deve ser esquecido…

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A frota dos Barcos Tradicionais do rio Tejo tem vindo, ao longo dos últimos anos, a crescer fruto do trabalho desenvolvido pela Marinha do Tejo e das novas gerações que veem nestes barcos histórias do passado e testemunhos para o futuro.
Navegar num barco tradicional é mais do que uma experiência de vela, é o tentar imaginar o que foram esses mesmos barcos e o papel que tiveram no desenvolvimento económico e social de uma região.

Texto e fotografia: Vasco de Melo Gonçalves

Para tentar aprofundar esta nova realidade fomos conversar com um proprietário da nova geração, Ricardo Conduto que é proprietário da canoa “Gavião dos Mares” e membro da direção da Marinha do Tejo.

Ricardo Conduto

O que o levou a ter uma embarcação tradicional?
Ricardo Conduto – Desde miúdo que tive a “sorte” de ter uns avós maternos (o avô António e a avó Luísa) que moravam juntinho do rio e onde passava as minhas tardes a fazer barquinhos com cortiça, colocando-os na água.
Naquele tempo para brincarmos utilizávamos os materiais que “chegavam” com as marés e a que hoje chamamos de reciclagem.
Perto dos meus avós, morava também um irmão da minha avó (o T’chico Russo), que mesmo não tendo escolaridade, era um professor nato na arte de incentivar os mais novos, para o rio, tanto da arte de velejar em embarcações típicas, como na pesca de rede que tanto era usada naquela altura.
Não tendo força para “levantar, caçar ou ferrar as velas”, a minha função era de “vaia lá para o leme e faz o que te digo”, palavras do T’chico Russo.
Foi então que ingressei na escola de vela do Centro Náutico Moitense, onde aproveitando os conhecimentos trazidos do meu tio/avô , fiz optimist e apaixonei-me completamente pela vela.
Após o terminus da idade para velejar em optimist, e como paralelamente navegávamos com os mais velhos nas canoas e catraios existentes, o meu pai (Merílio Conduto) e o meu avô (António Rodrigues), decidiram comprar-me um catraio (nome do catraio “Ricardo e Luísa”), vendo a minha paixão por estes barcos (na altura tinha 15 anos).
Estes catraios e canoas, serviam essencialmente para lazer e para irmos fazer praia na ilha do Rato, que dista aproximadamente 5 milhas da Moita.
Como o núcleo familiar era grande o catraio começou a ser pequeno e eles compraram-me uma canoa ( nome “Ricaisa”), para que pudesse dar continuidade à minha paixão marítima.
Até que em 2005 construímos de raiz, o “Gavião dos Mares” que é a minha atual canoa.

“…As gentes do rio transmitem um saber, um conhecimento que nos leva a sentir as embarcações tradicionais de uma forma diferente…”

Ricardo Conduto

O que é ser ou o que representa ser proprietário de uma embarcação tradicional?
Ricardo Conduto – Ser proprietário de uma “preciosidade” destas, é algo difícil de explicar. Inicialmente era uma forma lúdica de velejar e ocupar o meu tempo livre. Mas com o passar dos anos e com o aparecimento da Marinha do Tejo, tomei consciência que tenho comigo um legado único e que preservo a história de Portugal e do rio Tejo.
Não é por acaso que quem navega connosco, jamais se esquece daquele barco de madeira cheio de cores e transmite uma calma única, porque é a simbiose entre o homem e a natureza, no seu estado mais puro. Madeira/vento/água.
Cada vez mais estas embarcações têm um papel importante, não só no nosso bem estar psicológico, mas também poderão ter um papel importante no turismo náutico/tradicional, visto serem os “familiares” diretos das caravelas que empurraram Portugal pró mundo.

“…Ser proprietário de uma “preciosidade” destas, é algo difícil de explicar…”

Esta questão mais dirigida à Marinha do Tejo. O que é a Marinha do Tejo e o que faz?
Ricardo Conduto – A Marinha do Tejo, é um polo vivo do Museu de Marinha. É prolongamento do museu, na água (Rio). É ainda podermos mostrar às pessoas barcos que desde sempre cruzaram o rio, mantendo as duas margens ligadas, transportando tudo o que havia para transportar. Por ex: cortiça, animais, frescos, pessoas, explosivos, etc…
É não deixarmos esquecer a nossa história.
É dar vida ao Tejo.
A marinha do Tejo, ousa em dar destino às embarcações, criando atividades próprias, bem como organizando um calendário anual onde todas as associações/clubes náuticos ou autarquias enviam as suas atividades, para que toda a gente tenha conhecimento e possa participar nelas, tenha ou não tenha barco.
A Marinha do Tejo, apoia os proprietários destas embarcações tradicionais, no que lhe é possível.
A Marinha do Tejo, tenta não deixar que estas embarcações desapareçam e os seus proprietários as sintam ainda mais.
A Marinha do Tejo, quer relembrar que estes barcos estão bem vivos e mostrá-los à sociedade, ao mundo.

Qual o atual panorama das embarcações tradicionais? Existe um aumente de interesse?
Ricardo Conduto – De ano para ano tem crescido o número de embarcações inscritas no livro de registos da Marinha do Tejo.
Sabemos que ainda existem muitas mais, por ai “guardadas” em armazéns.
A maioria destas embarcações, pertencem a pessoas com mais idade e começam a ter dificuldade em fazer a sua manutenção, porque a manutenção é efetuada pelo proprietário.
Começamos a notar é que estão a aparecer outro tipo de pessoas, que poucas raízes têm com as embarcações, mas como estas estão a aparecer à vista de todos, sentem vontade em adquiri-las e navegar nelas. O que é ótimo.
Para que haja ainda mais interesse, terão de ser criadas condições físicas para que possa ser ainda mais facilitada a navegabilidade entre locais de acostagem e portos de abrigo.

“…terão de ser criadas condições físicas para que possa ser ainda mais facilitada a navegabilidade entre locais de acostagem e portos de abrigo…”

Existe uma estratégia, por parte da Marinha do Tejo, no estreitar das relações com as populações ribeirinhas?
Ricardo Conduto – A Marinha do Tejo foi criada por populações ribeirinhas e devido à necessidade destas, em utilizarem a via da água para a sua sobrevivência, há muitos anos atrás.
Hoje, o que fazemos é levar as pessoas a navegarem cada vez mais no rio e utilizarem-nas com mais frequência.
O nosso objetivo é criar hábitos náuticos e por em prática o que tanta gente apregoa, que somos um país de marinheiros.
Para que possamos estreitar ainda mais as relações com as populações ribeirinhas, têm de haver condições físicas de acostagem em todos os locais onde o rio chega, porque só assim há um estreitar/aproximar das pessoas com o Rio.
Essa tarefa, cabe também às autarquias em criar condições para que seja fácil o acesso ao Rio, o que ainda hoje é difícil.
Nós mantemos e construímos os barcos, as autarquias criam as condições físicas para possamos dar vida às vilas/cidades, simples.

É fácil adquirir uma embarcação?
Ricardo Conduto – A Marinha do Tejo em parceria com a DGRM, aprovaram vários desenhos/projetos de embarcações típicas do Tejo.
Hoje uma pessoa que queira efetuar uma auto-construção de uma embarcação típica do Tejo, tem o trabalho mais facilitado, se não ultrapassar a variação de 3% dos desenhos aprovados.
Outra forma é a aquisição de uma já existente e recuperá-la.
Por fim poderá ainda mandar fazer num estaleiro.
Não existe um “stand” de embarcações à venda, que seja claro.

“… A Marinha do Tejo, fez projetos de diversas tipologias de embarcações típicas do Tejo…”

Quanto custa (por ano) manter por exemplo, uma canoa?
Ricardo Conduto – É quase impossível ter um valor para a manutenção das embarcações.
Depende dos materiais utilizados, se é necessário trocar madeiras, trocar velas etc.
Para reduzir custos, os proprietários optam por fazer eles próprios a manutenção, que fica muito mais barata.
Mas nunca se gasta menos de um ordenado mínimo, por ano, nunca!

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