ACAP / APICAN à procura de ventos favoráveis…

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No final do ano de 2024 fomos conversar, de uma forma informal, com a Direção da ACAP / APICAN, composta por Fernando Azevedo de Sá (Treino de Mar), Miguel Ferreira (Aife) e Francisco Galhoz (Motolusa), no intuito de conhecer, um pouco mais, sobre o trabalho desenvolvido por esta associação empresarial, com está o sector e quais são as linhas orientadoras num futuro breve.

Texto e fotografia: Vasco de Melo Gonçalves

Miguel Ferreira, Fernando Azevedo de Sá e Francisco Galhoz

Qual o balanço da vossa atividade?
“…Esta direção está em funções desde junho de 2023 e ao longo destes meses, focamos em várias frentes, sendo que uma delas foi a aproximação aos associados, uma das nossas primeiras medidas foi fazer reuniões setoriais com os associados.
Em termos da própria ACAP, também, passámos a ter uma relação mais próxima com o secretário geral, o Dr. Helder Pedro. Fizemos reuniões com a DGRM, com a Autoridade Marítima Nacional, com a nova Secretária de Estado do Mar, e tudo isto deu alguns frutos, nomeadamente, conseguimos que a Nauticampo, edição de 2024, fosse uma Nauticampo mais forte do que tem sido nos anos anteriores. Grande parte dos expositores da Nauticampo são nossos associados, pensamos que cerca de 90%. No decorrer do salão, organizámos o Fórum da Náutica de Recreio que correu muito bem. Conseguimos bons oradores e uma audiência rara neste tipo de eventos. Em simultâneo, fizemos protocolo com o Fórum Oceano, que está ainda a dar os primeiros passos. Tencionamos desenvolver trabalho comum, embora ainda não tenha grande visibilidade. Conseguimos fazer sair o relatório de estatística da Náutica de Recreio, que era algo que não havia memória de existir. Para este relatório são precisos dados, e quem os tem é a DGRM e a Autoridade Marítima Nacional, conseguimos convencer estas duas entidades a facultarem informação concreta para ser uma ferramenta de trabalho. Acreditamos que vamos conseguir fazer este relatório com alguma regularidade, se não for semestral pelo menos anual. Queremos alargá-lo a outro tipo de dados, nomeadamente vendas de motores, estamos a trabalhar no sentido de o enriquecer e o próximo deverá ter ainda mais informação”.

Questionámos se têm a perceção de como é que está o mercado.
Em termos do mercado, ele está a atravessar uma crise grande. Isto é uma crise que não é nacional, é uma crise europeia. Tivemos informação de que o mercado retraiu cerca de 20 a 30% na Europa. Aqui em Portugal retraiu menos, mas 2024 não está a ser um bom ano para a náutica de recreio, a generalidade das empresas está sentir uma quebra.
Nota-se que há uma transição com o aumento do mercado do aluguer e do charter. É um mercado que tem crescido bastante. Os próprios fabricantes de barcos, quando estamos a falar de veleiros, começam a fazer barcos mais vocacionados para o charter do que para navegação oceânica, o que em alguns casos é flagrante, porque descuram as questões de robustez para navegação oceânica e posicionam-se mais para o tipo de navegação de curta duração e não muito longe da costa.
Mas há pessoas que continuam a querer ter barcos”.

2025 é uma incógnita para o sector?
“...O ano de 2025, de facto é uma incógnita, mas os indicadores, nomeadamente ao nível daquilo que é a produção que está já pré-definida pelos principais construtores de embarcações, dá-nos sinal claro que podemos vir a ter no ano de 2025 difícil. Em Portugal, contudo, temos de facto, condições diferenciadas de outros estados europeus e que nos permitem olhar para 2025 com algum otimismo. Em primeiro lugar, somos a maior zona económica exclusiva da União Europeia e uma das maiores do Globo. Isso permite-nos ter condições para que as nossas empresas possam não ficar tão inquietas relativamente àquilo que vai acontecer em 2025. Mas, isto tudo entronca com a necessidade dos nossos governantes perceberem que é necessário resolver algumas questões que são absolutamente centrais e que sem isso, dificilmente o setor da náutica vai continuar a crescer, pelo menos ao ritmo daquilo que tem sido o último ano. Já não diria os últimos três anos, porque de facto foram atípicos, nomeadamente o ano 2022, onde houve crescimento exponencial, fruto de uma série de questões que têm a ver com questões exógenas, relativamente ao Covid, em que de facto, houve refúgio por parte da classe média, classe média alta, no sentido de procurar o lazer náutico como uma uma zona de conforto.
2022, foi ano de grande crescimento e dificilmente vamos ter uma situação semelhante. Contudo, há que procurar manter os rácios de crescimento ou pelo menos de não quebra no setor. Isso é possível porque de facto, se nós verificarmos, temos em Portugal o turismo a crescer claramente, de acordo com aquilo que são os indicadores por parte de várias entidades públicas e entidades prestigiadas, como a INE, como a União Europeia, crescimento bastante acentuado até. E aqui, obviamente, o setor do mar só tem a ganhar com isso. Verificamos, de acordo com os dados estatísticos que a ACAP, divisão náutica, conseguiu obter, que o setor do turismo costeiro é o setor que mais cresce, dado que contribui para o número de embarcações que exercem as atividade marítimao-turística. São cerca de 3 mil embarcações que estão registadas de acordo com o normativo legal das embarcações da Náutica de Recreio, que lhes permitem exercer uma atividade mista, tanto ao nível daquilo que é o lazer náutico e a possibilidade de terem, também, a atividade de turismo náutico em termos daquilo que é uma atividade profissional.
Agora, do no nosso ponto de vista, existem dois enormes desafios. De facto, só é possível conseguirmos ultrapassar estes desafios se a náutica for envolvida no processo da transição para a economia azul. Caso contrário, dificilmente conseguiremos alcançar esses objetivos. E de facto, os desafios são, em primeiro lugar, a questão da simplificação de processo. Temos uma série de de associados que têm enormes dificuldades em conseguirem fazer registos de novas embarcações, alterações de motor, testes…. Estas preocupações foram mencionadas em reunião com uma série de construtores navais, nomeadamente, construtores de embarcações de recreio. Aliás, devo dizer que um dos nossos associados, é o maior construtor naval português e um dos maiores da Europa, o que reflete bem a capacidade que o nosso país e o setor da náutica, em particular, têm para gerar riqueza, emprego, enfim, todas aquelas questões fundamentais para qualquer economia que queira crescer.

“…é necessário adequar a nossa legislação, de acordo com as boas práticas que são efetuadas pelos estados europeus e que são nossos parceiros…”

Sendo que, voltando à questão da simplificação de processo, de facto é preciso fazer uma nova revisão do decreto-lei de 2018, que aliás, está prevista. Já passaram cerca de seis anos e, de facto, é necessário adequar a nossa legislação, de acordo com as boas práticas que são efetuadas pelos estados europeus e que são nossos parceiros. Nesse sentido, temos que fazer uma revisão e procurar olhar para o que está menos bem e encontrar novas soluções. Em relação à questão da simplificação de processos, eu gostaria de deixar só aqui uma questão em aberto. Nós temos tido bastante sucesso Portugal, relativamente à questão do registo dos navios mercantes, do registo internacional da Madeira. Tivemos o país que mais cresce em termos europeus e mesmo no último semestre, em termos globais. O registo de uma embarcação de navio mercante, que é o navio Solas, é um processo muito simples. É um registo que é efetuado de acordo com aquilo que são as regras que estão estão alinhadas com as convenções internacionais, a IMO, a Solas, e em consonância com a tutela de cada país, que no nosso caso é a a DGRM, e com as entidades classificadoras.
Portanto, este processo e de acordo com a informação que nós temos, tem em prazo de duração cerca de duas semanas. Registar navio Solas em Portugal, leva 15 dias.
Refazer registo, por vezes, de uma embarcação de recreio, com 4 metros de comprimento pode levar seis meses a um ano. A verdade é essa, não se consegue perceber...”.

A causa é da legislação ou são as instituições que não funcionam?
“...Pensamos que não é responsabilidade das instituições. Achamos que há um esforço grande por parte da DGRM e é preciso reconhecê-lo, no sentido de procurar ir ao encontro das necessidades dos utilizadores, dos operadores económicos, das empresas do setor, que são exatamente as empresas que a ACAP divisão náutica representa. E mesmo por parte da autoridade marítima, pensamos que há um esforço grande por parte destas duas entidades, no sentido de melhor servirem todos aqueles que participam nestes processos. Contudo, aquilo que nos parece e que de facto dificulta todo este procedimento é que temos uma teia de normativos legais que deve ser revista, atualizada, e sem isso, torna-se difícil, porque se conseguirmos fazer aquilo que fazemos no Registo Internacional da Madeira, com navios Solas, com embarcações de recreio, e no fundo, seguir as boas práticas de outros países que facilmente conseguem, cumprindo os normativos legais, de acordo com as diretivas da União Europeia, temos que encontrar mecanismos para atualizar a nossa legislação. Caso contrário, vamos ficar sempre atrás.
Temos 73 mil embarcações registadas, de acordo com os dados públicos, e estamos a crescer a ritmo de cinco mil por ano. Pode haver uma quebra, eventualmente agora, no último semestre de 2024 fruto daquilo que temos estado a falar, do desacelerar do setor sequência de todas as questões que estão ligadas com a economia global. Não vale a pena estar aqui agora a elencá-las, são do conhecimento de todos. Mas, de facto, temos cerca de 73 mil embarcações, eu diria teríamos mais 15% de embarcações não fossem pelas razões que referimos anteriormente, ou seja, pela dificuldade, pelos obstáculos e pelo cansaço que isso produz em qualquer ser humano. Parece que estamos sempre a bater numa barreira. Isto penaliza em muito todos aqueles que intervêm neste setor, e em primeiro lugar, o Estado português, nomeadamente naquilo que diz respeito à captação de receitas. Nós estamos a falar de, seguramente, cerca de 15 mil embarcações, cerca de 20%, que passaram para bandeiras de pavilhão estrangeiro quando são de proprietários portugueses que residem em Portugal, mas que de facto não tiveram outra opção.
Compreendemos perfeitamente, aceitamos e estamos solidários com eles, agora há que por fim a isto, só há uma entidade que o pode fazer. Não é a DGRM, nem a Autoridade Marítima. É o governo de Portugal, objetivamente.

Sobre a questão da simplificação, ainda no outro dia falávamos com um associado fabricante, que um dos problemas são os testes às embarcações. A morosidade é tal, que eles pegam nas embarcações levam-nas a Espanha para poderem testar em mar, o que não faz sentido nenhum. Qualquer embarcação que é fabricada, sendo modelo novo, precisa de ser testada.
Este é o exemplo flagrante daquilo que, de facto, tem que ser modificado e que tem que ser essencialmente atualizado, um facto é que a nossa legislação é arcaica. O legislador tem que procurar ir ao encontro das necessidades de todos, ao serviço e no bom interesse de todos. Caso contrário, vamos continuar a ficar neste lamaçal … Um outro exemplo tem a ver com a compra e venda de uma embarcação em Portugal, é um processo que já não é aceitável em 2024, continua-se a utilizar formulários atrás de formulários e de forma manual.

“…A evolução que se deu na habitação e no sector automóvel relativo à transmissão de bens, esse passo não foi dado na náutica…”

A evolução que se deu na habitação e no sector automóvel relativo à transmissão de bens, esse passo não foi dado na náutica, e faz todo o sentido, porque barco, do ponto de vista burocrático, é uma coisa similar ao automóvel. Isto passaria tudo pelo Instituto de Registo e Notariado, é essa a visão que a DGRM tem, nomeadamente o Diretor Geral. Nós também temos a convicção que o processo de registo e transmissão devia ser similar, até porque hoje não há garantia nenhuma. Uma embarcação pode ser vendida duas vezes e isso até a posteriori. Quando se for serviço como o IRN existe uma certidão do bem. E é só uma, não é outra. Portanto, essas falhas que existiam no mercado automóvel e no habitacional que foram resolvidas, na náutica de recreio, não foram. O ideal é passar tudo, da transmissão, novas embarcações, registo, etc. pelo IRN (Instituto dos Registos e do Notariado), simplificaria o processo. E existem outras situações, nomeadamente, se eu vender uma embarcação, isto obriga a uma nova inspeção técnica, o que não faz sentido nenhum.

Ainda em relação à simplificação dos processos, os dirigentes da ACAP/ APICAN acrescentam “…Mas o que é extraordinário é que isso já existe. Isso é o que é a prática utilizada pelas embarcações, pelos navios Solas, no registo da Madeira. Portanto, nós já temos isso em vigor. O que temos é que transpor isso para a náutica de recreio. Criar já um grupo de trabalho para fazer a revisão da legislação a esse nível. Isso é de facto dos maiores desafios que temos pela frente”.

O tema das infra-estruturas de apoio à Náutica de Receio também foi abordado na conversa.

“…Nós temos 73 mil embarcações ativas, mais 10 ou 15 mil em pavilhão estrangeiro, mais as quotas, que de acordo com o direito marítimo, somos obrigados a ceder… lugares a embarcações a passantes. Não temos memória de quando é que foi construída a última infraestrutura para o setor da náutica! Talvez 20 anos? Entretanto, são 13 mil postos de amarrações, para o continente e ilhas!
Isto não é aceitável, portanto é preciso que os nossos governantes percebam que nós temos o maior quadro comunitário de apoio, alguma vez, registado, desde que entrámos para a União Europeia. Para além disso, temos o PRR, se não aproveitarmos este momento para, de facto, definir uma estratégia, que passa pelo ministério das Infraestruturas, juntamente com o ministério da Economia, e em última instância até pelo Primeiro Ministro de Portugal, e serem tomadas descisões de olhar para a economia do mar numa lógica das empresas do setor tradicional, que têm que fazer depois a sua transição para a economia azul, uma transição sustentável, de acordo com aquilo que são as exigências e que estão já protocoladas com a União Europeia e na sequência do Acordo de Paris, e que são extremamente importantes, tanto para gerações presentes como para gerações vindouras, relativamente à sustentabilidade. Se nós não tivermos uma política que seja capaz de definir uma estratégia de licenciar estes equipamentos, marinas, portos de recreio, rampas…
Se nós não lançarmos plano de ação que só pode acontecer com a boa vontade do nosso governo, do governo de Portugal, do governo da República, não existe outra entidade que o possa fazer, porque trata-se de licenciamento, trata-se de estudos de impacto ambiental, trata-se de uma série de questões que são fundamentais… dificilmente vamos conseguir vender mais barcos em Portugal. Ou alguém pode comprar barco em Portugal, se não tem onde o colocar?
Estamos neste momento a efetuar uma série de diligências junto a algumas entidades, no sentido de termos aqui algum apoio que nos permita, de facto, termos ambiente regulador que vá de encontro aos interesses do setor. Ao mesmo tempo, que seja possível que o setor da náutica possa ser envolvido nesta transição para a economia azul de uma forma sustentável, para se tornar mais competitivo, para tere outras práticas, enfim, daquilo que é a sua gestão perante os novos cenários micro e macroeconómico. Mas, essencialmente, é necessário que possamos ser envolvidos nessa transição, até porque somos o setor que mais cresce em Portugal.
…Há aqui outro aspeto, esta questão da frota de pesca, sem menosprezar a pesca e a aquacultura, o que é verdade é que existe, de acordo com os fundos comunitários e com o programa do Mar 2030, avisos que saíram para as empresas poderem concorrer a esses fundos comunitários no âmbito da transição sustentável, nomeadamente em áreas absolutamente fundamentais. A melhoria das condições de segurança das embarcações e das instalações portuárias, melhoria das condições de higiene a bordo e nas instalações portuárias, melhoria das condições de trabalho a bordo e nas instalações portuárias.
Neste caso, em concreto, os avisos que saíram destinam-se única exclusivamente para a pesca e a aquacultura, portanto, não existe uma única linha para o setor da náutica. O setor da náutica não tem acesso a estes apoios, não pode sequer concorrer e candidatar-se a investimentos em equipamentos que melhorem a eletrónica na náutica, investimentos a bordo e nas instalações portuárias, em equipamentos alinhados com os processos de digitalização, investimentos em matéria de eficiência energética, substituição e modernização de motores, melhoria da qualidade, conforto e experiência de atividades, inovação produtiva e organizacional, enfim, uma série de questões que são absolutamente fundamentais para de facto equipar as nossas embarcações e dar às nossas empresas a capacidade de fazer esta transição para a economia sustentável.
Acontece que, de facto, o setor da náutica de recreio não foi envolvido neste processo, mais uma vez!

“…Vamos procurar junto do gestor do Mar 2030, no sentido de ter algumas reuniões, e de fazer chegar esta necessidade imperiosa, que é de facto as empresas ligadas ao setor da náutica de recreio possam ter acesso a candidatar-se a estes fundos…”

De facto, em relação à náutica, não existe uma única linha. E esperemos que… como foram negociações que foram feitas há já algum tempo… não seja tarde. Isto não é responsabilidade só do setor governamental. Também o nosso setor devia ter estado mais atento e devia ter participado ativamente quando foram feitas as discussões, penso que ainda vamos a tempo. Torna-se premente contactar o ministério que lidera este processo, no sentido de procurarmos introduzir a possibilidade do setor da náutica ter acesso a estes fundos.
Isto é absolutamente fundamental, até porque nós, ACAP / APICAN, podemos patrocinar uma candidatura coletiva, e isso tem todo o interesse, porque isso está previsto no desenho do programa. Vamos fazer essas diligências…
Uma outra questão ainda pouco falada, é o utilizador final. Em termos de utilizador final, era interessante que também houvessem apoios à transição energética, nomeadamente, a transição para motores elétricos, com apoio a fundo perdido como também já existe para o sector automóvel”.

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A redacção da Náutica Press prepara artigos e notícias do seu interesse, mantendo-o ao corrente do que se passa no universo da náutica de recreio e da náutica em geral, em Portugal e no Mundo.

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