A campanha SOS Cagarro que agora terminou, revelou-se um êxito também na Ilha do Corvo nos Açores, onde a dedicação e o interesse da população e o projecto Ilhas Santuário para Aves Marinhas permitiu um acréscimo na responsabilidade e no salvamento de muitos cagarros. A redução da iluminação da ilha nas noites em que os juvenis fazem os seus primeiros voos e às acções realizadas pelas crianças da Escola Básica, fazem parte do conjunto de acções que tornam o Corvo como um exemplo na conservação das aves marinhas.
Há menos de cem anos era prática comum a caça de cagarros para usos diversos na Ilha do Corvo. Eram tempos difíceis em que a fome obrigava as pessoas a procurar alimentos alternativos como, por exemplo, a erva do calhau e o saramago, uma vez que as tempestades fortes impediam o cultivo da terra durante os meses de Inverno. Os cagarros também foram um suplemento alimentar para alguns corvinos que se viram forçados a conhecer alguns aspectos da biologia da espécie, tal como as datas exactas de postura, que permitia a recolha oportuna dos ovos e o período em que as crias tinham menores quantidades de gordura e mais carne comestível. Aprenderam também a extrair o óleo produzido por estas aves, utilizando-o posteriormente para untar ferramentas. Serviam ainda como isco usado na pesca local.
Actualmente, nenhuma destas actividades faz sentido no quotidiano das famílias corvinas. Pelo contrário, o Corvo transformou-se numa ilha em que os seus habitantes se sentem responsáveis pela conservação das aves marinhas. Desde 1991 que, por inspiração do Doutor Luís Monteiro, a Câmara Municipal do Corvo começou a implementar medidas de redução da luminosidade. Este ano não foi excepção. Várias medidas foram colocadas em prática durante o período do SOS Cagarro que acabou no passado dia 15 de Novembro e durante a qual, se optou por desligar a iluminação da igreja, da EDA, do Porto da Casa e uma porção muito considerável da iluminação pública, ficando unicamente ligadas as luzes das ruas do interior da Vila. É neste período, crucial para a sobrevivência da espécie, que muitos dos juvenis acabados de sair do ninho, possivelmente atraídos pelas luzes, se desorientam e perdem-se da sua rota em direcção ao mar e colidem contra edifícios ou fazem aterragens desajeitadas no interior das vilas e estradas.
Além do esforço realizado para diminuir o impacte das luzes, a equipa do Projecto LIFE Ilhas Santuário para as Aves Marinhas, uma parceria da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves com a Secretaria Regional do Ambiente e do Mar e Câmara Municipal do Corvo, organizou brigadas nocturnas, nas quais crianças e adultos participaram no resgate dos Cagarros caídos na Vila. Estes cagarros foram anilhados e pesados, com o objectivo de se obter informação do estado das suas populações e consequentemente libertados para seguirem o seu caminho em direcção ao mar. No decorrer do período da Campanha SOS Cagarro, a equipa da SPEA e do Parque Natural do Corvo foi abordada inúmeras vezes, quer no Centro de Interpretação Ambiental do Corvo, onde está sediada, ou em qualquer ponto da Vila por corvinos que se faziam acompanhar por uma caixa com um cagarro que tinham encontrado na proximidade das suas casas ou local de trabalho. Recebemos inúmeras chamadas telefónicas a informar que mais um Cagarro tinha caído. Resumindo, um único objectivo juntou mais de 50 pessoas para resgatar cerca de 160 aves.
No próximo ano iremos celebrar vinte anos a salvar cagarros nos Açores e a génese deste movimento cívico alargado aconteceu na consequência da capacidade que um grande cientista teve em motivar os políticos desta pequena-grande ilha e em contagiar a população não só da Ilha do Corvo mas também das restantes ilhas. É um exemplo que queremos enfatizar por motivos ambientais e queremos que se alargue a outras espécies, afirmou o Director Regional para os Assuntos do Mar, Frederico Cardigos.
Já para Pedro Geraldes, coordenador da equipa da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves que se encontra na Ilha do Corvo, a motivação da população corvina é contagiante e consequente. Temos feito um trabalho importante, com a montagem de dispositivos para a salvaguarda das aves marinhas e outras, mas, é extraordinário constatar que é a própria população local que arregaça as mangas e prescinde do seu tempo livre para salvar estas extraordinárias aves.
O Corvo destaca-se como exemplo de boas práticas em conservação das aves marinha
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