O Amigo oceanógrafo: Alberto I do Mónaco e Portugal (1873-1920)

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Na sequência da exposição oceanográfica, esteve patente no Museu de Marinha, que retratava a ligação entre o Rei Dom Carlos I de Portugal e o Prinícpe Alberto I do Mónaco fiquemos com o artigo de autoria de Thomas Fouilleron (Diretor do Arquivo e da Biblioteca do Palácio do Mónaco) que nos ajuda a conhecer esta personalidade única.

Thomas Fouilleron

Frequentemente apelidado «príncipe navegador» ou “sábio”, Albert I do Mónaco (1848-1922)foi um pioneiro e um divulgador da oceanografia moderna, bem como um defensor da paz europeia antes da Primeira Guerra Mundial.
No decurso das suas múltiplas viagens entre 1873 e 1920, ele desenvolveu uma relação estreita com Portugal, e tornou-se amigo do seu rei, Dom Carlos (1863-1908). Manteve com ele uma correspondência abundante, simultaneamente pessoal e erudita, baseada em temas de interesse comuns. Fascinado pelas águas portuguesas, objeto da maioria das suas campanhas entre 1885 e 1914, o príncipe, que aprecia a insularidade, sente-se incontestavelmente atraído pela Macaronésia.
Através de documentos de arquivo, de fotografias e de filmes, mapas, telas, mas também objetos naturalistas e material científico, reunidos num gabinete de curiosidades, narramos essa amizade erudita com Portugal por ocasião do centenário da morte do príncipe. Evocamos o companheirismo dos dois soberanos, os avanços científicos de Alberto I e a sua geografia portuguesa.

A amizade de dois soberanos: Alberto I & Dom Carlos
Os dois homens conhecem-se em 1879, quando o príncipe herdeiro do Mónaco faz escala em Lisboa, depois de ter descoberto com e seu iate, Hirondelle (Andorinha), os arquipélagos de Canárias, da Madeira e dos Açores. Dom Carlos então com dezasseis anos, revelando já notável talento para o desenho, executa um esboço a lápis do navio príncipe.
O príncipe Alberto encontra-se pela primeira vez com aquela que será a sua segunda mulher, Alice Heine, na Madeira em 1879; Dom Carlos conhece a futura rainha de Portugal, Maria Amélia de Orleães, em França, no castelo de Chantilly, em 1886. Foi em 1894, aquando da estadia dos príncipes do Mónaco em Lisboa, que Alberto I e o soberano se tornaram verdadeiramente amigos.
Os dois soberanos cultivam as mesmas paixões: a observação da natureza, a caça e a oceanografia. Neste domínio, desenvolvem primeiro uma relação de mestre para discípulo, depois de igual para igual, após a primeira campanha científica do rei em 1896. Se Alberto I foi iniciado nos assuntos marítimos e na navegação em 1865, antes de servir na Marinha real espanhola entre 1866 e 1868, Dom Carlos não teve a formação de um oficial de marinha.

Ex abyssis ad alta. Portugal como laboratório
Os dois soberanos têm cada um quatro iates sucessivos, a maioria construídos em Inglaterra e baptizados com o nome das suas esposas, pelo menos e segundo e o terceiro do príncipe Alberto I. Para as suas campanhas, eles aperfeiçoam continuamente os seus navios, por vezes concertadamente: instalação de laboratórios, inovações no material e nos equipamentos transportados, melhoria do conforto de vida.
Alberto I é acompanhado por uma tripulação de oficiais de marinha, de engenheiros, de investigadores, com destaque para o doutor Jules Richard. Dom Carlos, por seu lado, é assistido apenas por um cientista, o naturalista Albert Girard. Os dois principais colaboradores irão torna-se tanto um como o outro conservadores das coleções reunidas pelos dois soberanos: o Aquário Vasco da Gama em Lisboa e o Museum Oceanográfico no Mónaco.
O príncipe e o rei efetuam pesquisas complementares. O primeiro é um pioneiro da exploração dos fundos marinhos e da observação das correntes, o segundo estabelece um inventário da fauna marinha da costa portuguesa, e estuda as migrações dos peixes. Empenham-se ambos na divulgação dos conhecimentos batimétricos. Os seus resultados, documentados pelo desenho, a pintura ou a fotografia, são publicados e valorizados em particular por ocasião das exposições universais.

O mapa e o território. A geografia portuguesa do príncipe
Na Madeira, nas ilhas Desertas, Alberto do Mónaco dedica-se à caça de cabras selvagens, que ele descreve num artigo de revista que se torna, em 1902, um capitulo da sua narrativa de viagens La Carrière d’un navigateur (A carreira de um navegador).
Nos Açores, o príncipe está na origem, com o apoio do naturalista Francisco Afonso Chaves, da criação dos observatórios meteorológicos de São Miguel et da Horta. Seduzidos pelo arquipélago, o príncipe e os seus principais colaboradores, Jules Richard, Henry Bourée e o pintor Louis Tinayre, registam pela fortografia, o desenho, a pintura e o filme, a riqueza etnográfica et a beleza primitiva das paisagens.
Em cabo Verde, em 1901, realiza-se a colheita de amostras mais profunda das campanhas de Alberto I (mais de 6000 metros). Dos fisiologistas franceses, Charles Richet e Paul Portier, são convidados a estudar a physalia, um invertebrado aparentado com as medusas. As suas pesquisas, continuadas no regresso a Paris, resultam na descoberta da anafilaxia, pela qual Richet receberá o prémio Nobel de medicina e fisiologia.
Em 1903, o governo português concede, na sua colónia de Moçambique, prazos à companhia monegasca, a Société du Madal, cujo acionista maioritário é o príncipe. Esta experiência de cultivo de coqueiros na bacia do Zambeze é no mínimo original tratando-se de um homem de progresso conhecido pelas tomadas de posição críticas relativamente à fatualidade colonial.
Foi em Lisboa que começou a acabou a relação entre os dois soberanos. Ai Dom Carlos foi assassinado em 1908, e Alberto I presta-lhe homenagem por ocasião de uma vista oficial em 1920 na jovem república portuguesa.

No seu testamento cientifico, Discours sur l’Océan (Discurso acerca do oceano), proferido em 1921 em Washington, o príncipe Alberto I lembra o lugar central dos Açores nas suas pesquisas: ai foram feitas quatorze de vinte e oito campanhas. O arquipélago retribuiu apropriadamente tal estima, uma vez que uma avenida com e seu nome foi inaugurada em vida do principe em Ponta Delgada, em 1904, e que o observatório meteorológico de Horta chama-se “Principe Alberto do Mónaco” desde 1923.
A relação cientifica que Alberto I e Dom Carlos cultivaram por meio dos seus trabalhos oceanográficos é caso único entre dois monarcas. Em 1992, a historiadora francesa Jacqueline Carpine-Lancre e o cientista português Luiz Saldanha consagraram-lhe um trabalho: Souverains océanographes (Soberanos oceanógrafos).
Atualmente o príncipe Alberto II dá continuidade aos compromissos do seu trisavô a favor da proteção dos oceanos. Deslocou-se aos Açores em 2004, para o centenário da avenida Alberto I de Ponta Delgada, et à Madeira em 2017, por ocasião da inauguração do largo da átrio Alberto I et da exposição Un prince explorateur. Albert Ier de Monaco à la découverte de Madère (1879-1911)(Um príncipe explorador. Alberto I do Mónaco à descoberta da Madeira (1879-1911) no Museu de história natural do Funchal.

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